Globo exibe seu primeiro especial de Natal protagonizado e escrito por negros

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Elenco de ‘Juntos a Magia Acontece’

Pela primeira vez o especial de Natal da TV Globo, que vai ao ar nesta quarta-feira (25), é protagonizado por uma família negra e tem um Papai Noel negro. ‘Juntos a Magia Acontece’ foi criado e escrito por Cleissa Regina Martins, uma autora 24 anos que foi revelada pela primeira turma do Laboratório de Narrativas Negras, parceria entre a Globo e a Flup, iniciado em 2017.

A história se passa na casa da família Santos, em Madureira, Zona Norte do Rio de Janeiro. As vésperas no Natal a matriarca da família, Neuza (Zezé Motta), que sempre manteve firme as tradições da data, morre. A partida repentina da matriarca tem o efeito de um terremoto, abalando as estruturas de todos na família. “Vamos ver como vai ser o Natal de uma família que tem muitos conflitos, mas que precisa superá-los para seguir em frente. Estamos falando de uma época de encontros e a mensagem é sobre estar junto de verdade, de olhar para o lado e ver o que o outro está precisando, entender como a gente se completa”, define a autora Cleissa Regina Martins.

Na história, a ausência de Neusa (Zezé Motta) leva Orlando (Milton Gonçalves) à depressão e revela as rusgas no relacionamento entre os irmãos André (Fabrício Boliveira) e Vera (Camila Pitanga), que está sobrecarregada com o trabalho, o cuidado com a filha Letícia (Gabriely Mota) e a realidade do desemprego do marido, Jorge (Luciano Quirino). 

Não há o menor clima para a ceia, nem dinheiro para troca de presentes. Mas o jogo muda quando uma iniciativa de Letícia e a disposição de Orlando obrigam a família a rever seus conceitos e comportamentos. “Estamos vivendo tempos em que as pessoas não se ouvem e é muito importante a gente voltar a escutar quem a gente ama. Escutar, escutar e escutar para poder amar e reatar o afeto. Esse especial é muito sobre a reconstrução de laços familiares, sobre o reencontro de amor, acreditar na magia e na família”, explica a diretora Maria de Médicis.

Depois do luto, Orlando vai buscar uma ocupação para os seus dias. Sem perceber, é justamente o genro, Jorge, desempregado, quem faz a provocação: se ele, um pouco mais jovem, está sem trabalho há sete meses, o sogro, pela idade, só teria vaga se fosse para ser Papai Noel. Passada a raiva inicial, Orlando considera a ideia e começa a procurar uma forma de ser útil na temporada natalina. Mas só encontra portas fechadas e a responsável por abri-las será Letícia (Gabriely Mota), sua neta querida.

Milton Gonçalves e Gabriely Mota

Cada detalhe do especial foi pensado com muito cuidado. Na fotografia, o diretor Henrique Sales buscou uma luz que contemplasse a negritude do elenco. “Já fui a alguns festivais de Cinema Negro e uma reclamação recorrente de muitos atores é que eles são mal expostos. Por isso, tive muito cuidado para que a pele fosse bem tratada e bem preservada na tela. Em cena, às vezes, tínhamos uma variação enorme de tons de pele negra. Isso foi um desafio”, comentou.

Para a caracterização e figurino, os pedidos da diretora Maria de Médicis para Rubens Libório e Mariana Sued, respectivos responsáveis por essas áreas, foram para que eles pensassem no que veste uma família no verão carioca. “Eu quis tudo com cara de gente de verdade, pessoas possíveis, sem muita maquiagem no elenco. Queria um visual que eu visse na rua, que não fosse figurino e sim roupa. E a Mariana Sued fez uma coisa muito bonita: o figurino evolui ao longo do especial, começa mais triste e vai ficando mais colorido até o final. Achei isso genial! ”, comenta Maria de Médicis.

Para compor os figurinos dos atores, Mariana Sued conta que foi atrás de pessoas reais, com vivências próximas as das personagens: “A gente tenta sempre partir do realismo e vai moldando de acordo com o que pede a dramaturgia. Fomos para as ruas da Zona Norte do Rio e observamos, mas também procuramos pessoas com características semelhantes as das personagens como profissão, classe social, local de moradia e daí partimos para a construção do figurino. Para esse trabalho, justamente por eu ser uma mulher branca, a troca com o elenco, que é todo negro, foi ainda maior. Também ouvi e troquei muito com a Cleissa (autora), que fez um texto muito especial e com a consultora Kenia Maria, para eu tirar delas o que era legal retratar ali, para ir além do que eu já tinha colhido nas ruas”, conta Mariana.

Não houve muitas interferências no visual dos atores. Só Camila Pitanga que, para viver a professora Vera, ganhou um aplique com traças. “Quem quer colocar trança tem que querer muito. Demora, é desconfortável nos primeiros dias, exige adaptação. Eu topei e fiquei muito feliz com o resultado. Fez tanto sentido para mim, pelo que as tranças representam, pela imagem da nossa ancestralidade. E o cabelo levantado, trançado, que a gente fez para o Natal é de uma pessoa que tem autoestima, se cuida, se quer bem, se sente digna e quer ficar bonita. É muito simbólico”, comemora a atriz.

A trilha sonora do especial é assinada pelo produtor musical Plínio Profeta. “Quando Maria me contou da história, a questão da representatividade veio muito forte à mente. Por isso, convidei a Agnes Nunes, cantora paraibana, de 17 anos, para gravar ‘Rua Enfeitada’, e a Luedji Luna, que interpreta ‘Asas’, composição dela”, explica Plínio. Ele ainda compôs “Quando a Magia Acontece”, o tema de abertura, e ‘Nascer no Final’. Completam a trilha “Samba em Prelúdio”, de Vinicius de Moraes e Odete Lara; e “Juntos a Magia Acontece”, trilha original da Coca-Cola.

Entrevista com Cleissa Regina Martins

Cleissa Regina Martins

Cleissa Regina Martins faz sua estreia como autora no especial de Natal ‘Juntos a Magia Acontece’. Em 2020, ela será uma das colaboradoras da próxima temporada de ‘Malhação’. Nascida no bairro carioca de Magalhães Bastos, formada em Ciências Sociais, com experiências de intercâmbio nos Estados Unidos e no Canadá, pesquisava com frequência as desigualdades de gênero e raça no audiovisual brasileiro. Assinou a direção de arte do premiado curta-metragem ‘Eu, Minha Mãe e Walace’, dos irmãos Marcos Carvalho e Eduardo Carvalho.

Qual a sua inspiração para fazer esse especial de Natal?

Essa ideia surgiu quando eu conheci o Milton Gonçalves em 2016. A gente se encontrou em um evento e ele foi superlegal comigo, me deu o cartão dele e disse que eu poderia escrever algo e convidá-lo. Fiquei pensando na hora em que história eu poderia desenvolver para o Milton e acabei pensando nele como Papai Noel. E aí, durante a Flup, em 2017, eu precisei apresentar um argumento e nasceu essa história e essa família.

Qual a principal mensagem do especial?

A de que Natal é um momento de encontro, para estar junto de verdade, de olhar para o lado e entender o que o outro está querendo, esperando, e como a gente se completa e como se cria esse censo de comunidade. 

Como foi ver o especial ganhando corpo, saindo do papel durante as gravações?

Foi ótimo! Cada ator criou um pouco para o seu próprio personagem, achei isso legal e mostrou o quanto os atores estavam envolvidos com o texto, o quanto eles se viram ali de alguma forma.

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