Um grupo de personalidades negras, em conjunto com o Instituto de Defesa da População Negra (IDPN), coordena uma campanha chamada “A pele preta não é suspeita”, contra o perfilamento racial em abordagens policiais.
A iniciativa começou a partir do processo de habeas corpus de um jovem negro preso no interior de São Paulo, julgado pelo Supremo Tribunal Federal (STF). A sessão da última quarta-feira (08) terminou com 4 votos contra o pedido e 1 a favor, e com uma solicitação de suspensão do julgamento para a votação continuar com o plenário completo.
Para o comunicador e influenciador Roger Cipó, que participa da campanha contra o perfilamento racial, colaborar com essa mobilização parte de se entender como agente político de transformação.
“Além de pessoas com relevância na suas áreas, seja na estética, na música, na publicidade, tem também um papel social importante que a gente precisa manter vivo, que precisa fomentar em quem não está nessa linha. A gente está falando de um grupo que pode ampliar discussões importantes, e que tem um alcance exponencial de pautar o Brasil”, comenta.
O influenciador reitera que é importante que personalidades negras públicas estejam alinhadas com as discussões do Movimento Negro, que contribuam com essa luta, e explica o intuito da campanha.
“A ideia principal da campanha é gerar impacto na comunicação e garantir que esse assunto seja discutido pelos meios de comunicação, plataformas de comunicação, que as pessoas na internet e as pessoas em casa sejam impactadas por isso”.
A Defensoria Pública do Estado de São Paulo (DPESP), que entrou com o processo, afirma que a abordagem foi feita pelo jovem ser negro, não havendo, segundo a defesa, a chamada “fundada suspeita” para justificar a abordagem. Sendo assim, as provas devem ser desconsideradas e a condenação, anulada.
O advogado Joel Luiz, que trabalha no IDPN e também faz parte da campanha, explica que caso o STF decida por aceitar o pedido de HC, no dia a dia das abordagens policiais a decisão não teria muito impacto pela dificuldade de supervisioná-las.
Mas afirma que ainda sim, causaria grandes impactos nas lutas judiciais de outros casos da mesma natureza. “Se cria um precedente judicial limitador da atuação policial, quando ela se caracteriza a partir de uma leitura racista”.
O advogado ainda destaca que percebeu, durante a discussão apresentada pelos magistrados, que parece haver um consenso entre eles de que “quando o perfilamento racial acontece na atividade policial, isso torna a atividade policial ilegal”, explica Joel Luiz.
Ainda sim, alguns ministros afirmaram que o caso não seria ideal para debater o assunto em questão. Mas o advogado discorda, e reitera que esse é o caso certo para trazer esse debate à tona.
“Se a gente esperar pelo caso ideal, não discutiremos. Mas o caso tem todos elementos, mas o que houve foi uma manipulação de um argumento contrário” disse Joel Luiz, que lembra que o próprio ministro Edson Fachin chegou a rebater os outros ministros e foi o único até o momento, a votar a favor do habeas corpus. Para completar, Joel Luiz acrescenta mais um fator que o faz acreditar no potencial de discussão do caso.
“O caso é perfeito também porque ele aborda a temática da política de guerra às drogas, que é o grande instrumento para o controle de corpos negros. Então a gente tem a atuação racista da polícia, mas não de maneira abstrata ou genérica que poderia acontecer com qualquer um. É a atuação racista dentro da política de drogas que é racista e instrumentalizada para controle de corpos pretos”.
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O influenciador Roger Cipó partilha da mesma opinião, uma vez que em um país estruturalmente racista como o Brasil, ele diz que isso se reflete na estrutura histórica da polícia. Para ele, ter esse debate em destaque é romper com essa cultura, principalmente em um momento onde, segundo ele, há por parte da atual gestão do governo federal, uma inclinação ao debate antirracista.
“A campanha é tencionar essa discussão para que o Supremo Tribunal Federal entenda que nós, enquanto sociedade, não queremos mais isso. A gente está dizendo que precisa mudar”, diz Roger, que afirma que para participar dessa luta, basta se propor a dar voz à causa. “As pessoas podem reverberar esse assunto. Cada pessoa é um agente político de comunicação para ampliar esse debate”.
Participam ativamente da campanha, além de Roger Cipó e Joel Luiz, nomes como Thiago Amparo, Wania Sant’anna, Vilma Reis, Hédio Silva, Silvia Souza, Wallace Corbo, Maíra Vida, Roger Cipó, Gabriel Sampaio, Maíra Azevedo (Tia Má), Cris Vianna, Flávia Oliveira, Thais Bernardes, Preta Gil e outros. Mas a intenção é que mais pessoas se juntem à causa.
Entenda o caso
O processo analisa o caso de um rapaz abordado em uma esquina de Bauru (SP), sendo flagrado por policiais com 1,58 grama de cocaína no bolso. O preso afirmou à justiça ser usuário de drogas, mas foi condenado a 7 anos e 11 meses de prisão por tráfico de drogas pela 1ª Vara Criminal de Bauru.
A defesa então recorreu ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), que reduziu a pena para 2 anos e 11 meses. O pedido de anulação do caso sinaliza que na descrição feita pelo policial no registro da ocorrência, ele disse que “avistou ao longe um indivíduo de cor negra que estava em cena típica do tráfico de drogas, uma vez que ele estava em pé, junto ao meio-fio, em via pública, e que um veículo estava parado junto a ele”.
Até então, apenas o ministro Edson Fachin votou a favor do pedido de habeas corpus, que afirmou na última sessão, reconhecer a presença do perfilamento racial no caso. “Se a referência à cor da pele fosse supérflua, ela não estaria no auto de prisão flagrante e nem seria o primeiro elemento indicado pelo policial no boletim de ocorrência”.
Mas o ministro Alexandre de Moraes discorda.“Eu tomei ocuidado de verificar que na mesma semana dezenas de abordagem ocorreram contra brancos e contra negros no mesmo local e com o mesmo procedimento”, argumentou o ministro, que não considera o caso ideal para a discussão, e afirma reconhecer que o perfilamento racial é uma realidade que precisa ser combatida.
O julgamento foi suspenso na última quarta-feira (08) após o ministro Luiz Fux pedir mais tempo para analisar o caso. Os ministros Dias Toffoli, Alexandre de Moraes, André Mendonça e Nunes Marques votaram contra. O julgamento está previsto para ser retomado na próxima semana.
Alguns órgãos se manifestaram como “amigos da corte”, pontuando a problemática da discriminação na abordagem policial e o racismo estrutural no Brasil. São elas: Conectas Direitos Humanos, Iniciativa Negra Por Uma Nova Política Sobre Drogas, Instituto de Defesa do Direito de Defesa – Marcio Thomaz Bastos (IDDD), Coalisão Negra por Direitos e Instituto Referência Negra Peregum, Educafro Brasil, Grupo de Advogados pela Diversidade Sexual e de Gênero, Instituto de Defesa dos Direitos das Religiões Afro-brasileiras (Idafro), Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim), Justa e Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro.