A pandemia da Covid-19 atingiu um dos maiores carnavais do mundo, o de Salvador, que volta em 2023 com força total
*Esta matéria foi produzida pelo coletivo Entre Becos e replicada pelo Notícia Preta com autorização dos seus autores. Esta Reportagem é uma produção das repórteres Brenda Gomes, Bruna Rocha e Rosana Silva; fotografia de Gabrielle Guido e edição de Cleber Arruda.
Após dois anos de suspensão do carnaval, por conta da pandemia, a folia volta a encher as ruas da cidade de Salvador, na Bahia. Moradores das periferias falam sobre expectativas de curtição, ganho extra, além de apontarem os desafios encontrados durante o reinado de Momo.
Para a empregada doméstica Elisangela Xavier, 42, moradora do Nordeste de Amaralina, curtir a festa no bairro tem sido melhor que se deslocar para os grandes circuitos do centro da capital, nos últimos anos. “Gostava muito do carnaval da cidade, mas existiam as dificuldades na hora de voltar para casa: ônibus que demora e é lotado, engarrafamento. Depois, surgiu o carnaval do Nordeste e não me interessei mais em ir [para o centro]”.
O carnaval do Nordeste de Amaralina já existia antes mesmo de se tornar o Circuito Oficial Mestre Bimba em 2016. Neste ano, a programação tem início hoje (15), a partir das 18h. “É um carnaval seguro, porque podemos estar com a família, com os idosos, crianças. Não tem briga, não tem assalto. Saímos à vontade, podemos chegar tarde e todos chegam bem”.
Neste ano, ela pretende aproveitar a programação até o último dia. “Quarta, quinta e sexta-feira, só vou para o circuito quando chegar do trabalho, por volta das 17h30. No sábado, domingo, segunda e terça-feira, já subo por volta das 3h da tarde”.
Diferente da vizinha de bairro, o técnico de enfermagem André Ricardo Freire, 42, conta as horas para aproveitar a folia da região mais central da cidade, onde pretende percorrer os 4,5 km do Circuito Dodô (Barra/Ondina).
“Estou muito ansioso porque é um momento que espero o ano inteiro. A festa junina não me agrada muito. No carnaval, ninguém me segura”.
A festa tem um significado especial para o folião. “Gosto por vários motivos, também porque coincide com a data do meu aniversário. Aliás, vim de uma família de carnavalescos. Meus pais se conheceram no carnaval e eu nasci no carnaval seguinte”, revela.
Mobilidade e ganho extra em Salvador
Moradora do bairro de Periperi, Subúrbio Ferroviário, a estudante de Jornalismo Dara Medeiros, 22, lembra de um problema recorrente nesta época do ano vindo de outros carnavais. “Sempre fui pular carnaval com a minha mãe. E minhas memórias são também dos ônibus lotados, a demora para poder chegar nos locais”.
Para ela, não houve mudanças significativas no transporte coletivo na região. “Quem depende do transporte público na Suburbana, já passa por dificuldade o ano todo. No carnaval isso piora, porque todo mundo vai [para o centro] nas mesmas linhas e a oferta de linhas não é tão grande”.
De acordo com a Semob (Secretaria Municipal de Mobilidade Urbana), neste carnaval, 10 mil rodoviários estarão em atividade em 300 linhas. 80 linhas terão operação especial, circulando 24 horas por dia, todos os dias de carnaval.
Diante da possibilidade de encontrar dificuldades com o transporte público, Dara decidiu passar o período do carnaval fora do bairro onde reside, com o namorado, em Brotas, na Vila Laura.
“Vou trabalhar no circuito [da festa]. Vou passar o carnaval na casa do meu namorado, porque é inviável esse desgaste de pegar um transporte extremamente lotado, demorado e correr o risco de não conseguir chegar nos horários para trabalhar”.
Assim como ela, ganhar um extra nesta época também será o modo como a vendedora ambulante Elisangela Silva, 30, vai aproveitar a festa. A vendedora trabalha no Pelourinho há 25 anos e sentiu falta do evento suspenso pela pandemia nos últimos anos.
“Por dois anos, ficamos sem essa renda extra. Durante o ano, a gente sempre trabalha, porém o carnaval é um plus. É um momento do verão que a gente ganha um dinheiro e muitas pessoas conseguem se manter nos próximos dois, três meses”.
Elisangela faz parte da Associação de Barraqueiros e Ambulantes do Pelourinho, em Salvador, que realizou o cadastramento dos associados na prefeitura e garantiu um espaço para os trabalhadores.
“E o que de fato nos ajuda. Não enfrentamos aquelas filas que presenciamos nos jornais, das pessoas lutando na porta da Semop (Secretaria Municipal de Ordem Pública), sem qualquer estrutura, sem qualquer sensibilidade, por parte dos governantes, do secretário, para atender a população que está apenas querendo garantir o seu sustento”, afirma.
A vendedora ambulante pretende trabalhar todos os dias da folia no Circuito do Batatinha. Ela tem esperança de que terá um retorno positivo nas vendas neste ano. “Há expectativa de que a gente venda todos os produtos e consiga de fato tirar todo o investimento feito”.
Diversão para as crianças
O Circuito do Batatinha, que vai do Pelourinho à Praça da Sé, tem sido o mais recomendado para a diversão das crianças e famílias, e, por isso, entrou no radar da jornalista Lorena Ifé, 34, moradora do Engenho Velho da Federação, que quer aproveitar a festa com o filho Ifé Paim, 7.
“Ele gosta de carnaval; é muito festeiro, gosta de se fantasiar. Acho que ele vai ter as melhores lembranças, porque faço questão de levá-lo. O carnaval, para mim, na infância foi lindo”, diz, relembrando os fevereiros alegres na companhia do pai.
“A gente saía de Cachoeira [cidade do Recôncavo baiano] para curtir aqui [em Salvador]. Meu pai, já falecido, gostava muito. Eu era apaixonada por Ricardo Chaves. A gente ficava esperando passar [o trio elétrico] para cantar a música dele”, relembra.
Para a jornalista, que já produziu o bloco “A culpa é da mãe”, voltado para o público infantil curtir com a família, a cidade e o Circuito Batatinha ainda não oferecem estrutura adequada para a folia da criançada.
“No circuito do Pelourinho, o que mais vejo são crianças e ainda sinto falta de uma programação, bloquinhos, voltada para a infância. Um espaço para trocar fralda, para amamentação, sinto falta disso”, explica.
Outros alertas e atenções
No carnaval de Salvador em 2020, a estudante de gastronomia Arisangela Santos, 27, deixou a mãe preocupada por inovar na fantasia ao combinar um body, uma meia calça arrastão e tênis. “Foi muito difícil para a minha mãe aceitar como eu queria ir, por conta do medo.
Embora tenha recebido elogios e incentivo dos amigos, Arisangela evitou usar o transporte público. “Eu não quis ir [para o circuito] de ônibus com medo do julgamento. Fui de mototáxi, que também era alguém do bairro. Então, não tive medo”.
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O assédio é uma atitude violenta que acomete e amedronta as mulheres cotidianamente. A Secretaria Municipal de Política para as Mulheres, Infância e Juventude (SPMJ) garantirá serviços no carnaval para o público através da Campanha de Combate a Violência Contra as Mulheres, Infâncias e adolescências. Dentre os serviços oferecidos, estão o atendimento nas duas Unidades do Centro de Atenção à Mulher, 24 horas, no Circuito Barra/Ondina e outra no Circuito do Campo Grande.
A moradora do bairro de Sussuarana, periferia de Salvador, voltará a inovar com uma fantasia africana neste ano. “Não vou de body. Enquanto mulher preta, vou com uma fantasia afro que me representa, diferente das demais, e [em uma tiara] uma a frase que também me representa: ‘Menina, maré, melanina baiana'”, celebra.
Arisangela sairá na pipoca nos circuitos Barra/Ondina e na Avenida Sete de Setembro, na terça e quinta-feira. “As expectativas são totais. Depois de dois anos sem carnaval, acho que todo mundo está animado. Estou muito empolgada, pronta para curtir e brincar na paz”.