Gaúcho, residente no Rio de Janeiro a 16 anos e com mais de 25 anos de carreira, Marcelo Amaro conversou com o Portal Notícia Preta para contar e compartilhar com os leitores o trabalho desenvolvido por ele que é carregado de representatividade negra, principalmente gaúcha. Confira!
Notícia Preta: Iniciamos essa entrevista querendo saber das suas origens e trajetória de vida. Conta pra gente sobre o tempo vivido fora do país até a mudança para o Rio de Janeiro.
Marcelo Amaro: Nasci e me criei em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul. Meu pai é de Pelotas – extremo sul do Rio Grande do Sul – e minha mãe é de Osório – litoral gaúcho. Minha avó é oriunda do Quilombo Morro Alto – localizado em Osório. Meu avô paterno que eu não cheguei a conhecer, pois morreu muito cedo, era músico. Eu nunca pensei em sair de Porto Alegre, no entanto, no ano de 2001 eu fui para a Europa por meio de um projeto chamado Porto Alegre: um novo Brasil, em Genebra (Suíça). Durante uma apresentação, eu conheci um grupo de Choro chamado André de Sapato Novo (O choro segundo a história, é de André Vitor Correia (18/06/1888 – 04/03/1948), respeitado artista da primeira metade do século XX. Ele – gênero – foi inspirado em um momento banal da vida do próprio André.), que estava sem um percussionista e eles acabaram me convidando para uma Turnê pela Europa. A partir deste grupo instrumental, eu viajei para uma dezena de países na Europa Central – assim, conheci quase toda a Suíça. Eu também tive a oportunidade de conhecer a Europa Negra, um povo negro sofrido. Os refugiados de dezenas de países sem terem a chance de trabalhar, mesmo assim, não perdem a ternura entre eles nos seus guetos. Enfim, quando eu voltei para o Brasil, me inscrevi no Conservatório Souza Lima em São Paulo, mas nesta caminhada, passei pelo Rio de Janeiro sem planejamento nenhum e acabei não conseguindo mais sair daqui.
Notícia Preta: Como surgiu o seu interesse pela música? Quando você descobriu que queria cantar Samba?
Marcelo Amaro: Desde os tempos de menino, (que também é o nome de uma composição minha) batucava e cantava; um batuqueiro nato. Em 1993 tirei a carteira profissional de músico na sede OMB/RS em Porto Alegre (Percussão) e no ano seguinte fiz o curso preparatório obrigatório de 3 meses e fui aprovado em Canto Popular. A composição veio numa catarse, um turbilhão de emoções no fechamento de um ciclo no Rio de Janeiro e voltei à Porto Alegre durante o período de 1 ano, quando comecei a compor. A composição segundo os mais experientes compositores é um exercício diário. Eu acredito que a música me salvou e tem salvado muitos negros. Eu entendo ela como uma missão à cumprir nesta vida. Levar adiante a mensagem além do entretenimento. Por isso almejo com este novo trabalho – o DVD Marcelo Amaro ao vivo no Beco do Rato – alçar voos mais altos com a carreira de cantor e seguir firme na percussão, em coletivos, ser o protagonista da própria história a partir do gênero Samba, Pra lutar e Vencer (samba que gravarei no DVD em homenagem ao meu Orixá Ogùn e suas 7 qualidades).
Notícia Preta: Uma outra coisa interessante em seu trabalho é a ideia de mostrar aos seus ouvintes a representatividade negra gaúcha. Sendo assim, o que você pode nos dizer sobre a proposta de exaltar o Rio Grande “Negro” do Sul?
Marcelo Amaro: Eu li um livro há uns 10 anos chamado “Negros no Sul do Brasil: Invisibilidade e Territorialidade” (Ilka Boaventura Leite org.) e, eu sempre tive muito ódio por causa do estereótipo do gaúcho; eu peguei esse ódio e transformei em melodia. Me fez acreditar que a gente precisa responder a isso. Eu não quero brigar com ninguém, mas nós não podemos mais ficar invisíveis.
Notícia Preta: Nós também ficamos sabendo que você é integrante do Projeto Criolice e Canjerê do Amaro (estreou em 2018). Poderia nos contar um pouco mais sobre eles?
Marcelo Amaro: O Projeto Criolice vai fazer nove anos agora dia 14 de abril e eu faço parte dele desde o ano passado. Eu fui convidado pelos organizadores Wander Araújo e Rose Maciel. O Samba é uma filosofia de vida, também é fazer política e uma forma de resistência ainda mais neste momento político conturbado, o sambista tem uma missão. Fazer parte desse Projeto é uma honra e um presente. Já o Projeto Canjerê do Amaro é um “tentáculo” do meu trabalho solo, é onde eu posso expressar tudo o que eu sinto na música, é onde eu posso mostrar a cultura africana e afro-brasileira. É a minha identidade, tudo o que eu posso expressar.
Notícia Preta: Como você sabe, o Notícia Preta tem se tornado uma fonte de debates importantes acerca do racismo e das desigualdades sociais que atingem a população negra do nosso país. Diante disso, gostaríamos de saber: você já passou por alguma situação em que acabou sendo discriminado, ou já sofreu racismo alguma vez? Quais foram as situações que marcaram a sua vida?
Marcelo Amaro: Em 2007, eu dava aula em uma ONG no Rio de Janeiro e teve uma reunião de educadores e, a responsável por essa ONG chegou pra mim e falou o seguinte: “Marcelo, eu estou querendo falar com você há algum tempo. Queria te pedir pra que você corte o cabelo” e eu respondi, “Ah, é mesmo? Por que?”, ela seguiu dizendo: “As crianças têm ficado muito receosas com o teu cabelo grande”. Na hora eu fiquei muito mal, eu não consegui reagir. Sabe quando você é pego de surpresa? É assim. Ficou uma situação muito chata, eu fiquei muito sem graça, sem saber o que falar. Já passei por muita coisa, do tipo eu estar passando pela rua e uma pessoa que nem me conhecia gritar “pega ladrão!”.
Teve uma outra vez que me marcou muito. Eu estava saindo do supermercado com um amigo – também negro – de Porto Alegre/RS que veio me visitar e na saída, estava chovendo. Havia dois policiais, um estava tentando empurrar a viatura e o outro estava ao volante, aí o que estava empurrando olhou para mim e disse “Ei, você aí, me ajuda empurrar!”, eu disse, “Olha senhor, agora eu não posso, estou com compras aqui” – e o meu amigo também estava com algumas compras nas mãos –, eu dei as costas e continuei andando, daí ele começou “Ah é? Tu não pode empurrar? Parede agora! Chama o camburão”. Eu coloquei as sacolas no chão e fui para a parede, daí ele pediu os meus documentos e eu estava só com o cartão de débito no bolso, aí ele disse “Ah é? Está sem documento? Já chamou o camburão? Vamos ali no canto comigo”. Eu disse que não iria e aí ele começou a me ameaçar apontando a arma – aquilo começou a me deixar muito nervoso. Até que o outro colega do policial falou para ele me deixar ir. Tinha um monte de gente olhando, sem poder fazer nada ou se tinha algo para se fazer, não quis fazer. Porque na cabeça dessas pessoas é mais um negro que está ali, então alguma coisa ele fez.Fotografia de Tyno Cruz.
Notícia Preta: Nós encerramos essa entrevista querendo saber como está sendo os preparativos da gravação do Primeiro DVD de sua carreira? Você tem algum single preferido e que você acredita que irá marcar esse trabalho?
Marcelo Amaro: O repertório do DVD será composto por sambas autorais e outros sambas inéditos que eu irei interpretar ao lado de grandes clássicos do gênero. Dentre as canções a serem regravadas estão: Tá na Hora (Bedeu) e Não Deixa a Peteca Cair (Bedeu / Leleco Teles). No DVD também estará a composição Preta Desnuda (Marcelo Amaro / Wanderson Lemos) em homenagem a mulher preta, e contará com a participação da Fabíola Machado (cantora do grupo Moça Prosa). O refrão é assim:
[…] mandei esculpir / sua imagem em ouro / ouro da terra / de Obatalá / Nanã soprou sacudindo o vento / magia de rebento / em solo youruba […]
O show contará com as participações especiais de: Zé Luiz do Império, Iracema Monteiro, Paulo Henrique Mocidade, Binho Sá, Renato da Rocinha, Lula Matos, Jorge André, João Martins, Nossa Raiz, Luciano Bom Cabelo, Leandro Matos e Fabíola Machado. O registro contará com a produção musical de Lula Matos (percussionista, cantor e compositor do grupo Galocantô), direção musical e arranjos de Vítor de Souza (diretor musical e violonista do grupo Fundo de Quintal) e produção artística de Camille Siston. São 21 músicas, 11 convidados e a música… a proposta é mostrar o Marcelo Amaro cantor e atingir a massa, o povo – a galera das comunidades, favelas, periferias, das vilas (como dizemos em Porto Alegre) –, o repertório é o samba que comunique com o povo. A ideia não é massificar as canções, é representar. Afinal, o samba é cotidiano.
A gravação do DVD de Marcelo Amaro acontece no dia 15 de maio (quarta-feira), a partir das 19h, no Espaço Beco do Rato, na Rua Joaquim Silva, nº 11 – Lapa, Rio de Janeiro/RJ. O valor da entrada é R$ 20,00. A responsável pelo registro audiovisual do DVD é a Produtora Fitamarela.
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