Ações antirracistas na campanha de vacinação contra a Covid-19 são fundamentais dentro de uma sociedade racializada, alerta CNS
A vacinação contra a Covid-19 ocorre a passos lentos no Brasil. Apenas 10% dos brasileiros receberam a primeira dose, enquanto só 3% receberam a segunda, de acordo com o consórcio de veículos da imprensa – a partir de dados das secretarias estaduais de Saúde, até o fechamento dessa matéria. Mas essa realidade é ainda mais difícil para a população negra. Em levantamento realizado em março pela Agência Pública, foi verificado que o país registra duas vezes mais pessoas brancas vacinadas do que negras. Ou seja, mesmo representando 56% da população brasileira, os negros ainda são os menos vacinados. Diante desse contexto, no último dia 30 de março, o Conselho Nacional de Saúde (CNS) expediu recomendação cobrando vacinação contra a Covid-19 e ações antirracistas no acesso aos serviços de saúde para o Ministério de Saúde, Secretarias Estaduais e Municipais de Saúde. O documento afirma que “a atuação deve ser realizada de maneira antirracista em todo o manejo com os pacientes em situação de vulnerabilidade, como população negra, populações tradicionais (quilombos e terreiros), população em situação de rua, população ribeirinha, população cigana, do campo, das águas e das florestas, dentro do trato da pandemia por Covid-19 e outras patologias”.
Essas recomendações escancaram que existe uma pandemia dentro da própria pandemia. As populações mais vulneráveis que sofrem de uma forma ainda mais desigual são, majoritariamente, negras. Com o objetivo de mensurar o avanço da pandemia nas favelas fluminenses e, diante da ausência de dados públicos sobre a situação dessa população vulnerabilizada, coletivos e organizações sociais se juntaram para criar o Painel Unificador Covid-19 nas Favelas.
Por entenderem as extremas desigualdades que atravessam as favelas fluminenses, principalmente nesse momento pandêmico, no dia 10 de fevereiro, os mobilizadores por trás do Painel lançaram a campanha “Vacina Pra Favela Já!”. A presidente da ONG Centro Social Fusão – que faz parte do Painel –, Ana Leila Gonçalves, ressalta a importância de medidas antirracistas no acesso aos serviços de saúde. “O governo mapeia os centros urbanos sem focar nas áreas periféricas, como as favelas, sendo que são lugares muito prejudicados devido ao descaso. A maioria da população que ocupa esses espaços são pretos e pardos. É a diáspora africana”, afirma.
Vacinação nas comunidades
Em relação a vacinação contra a Covid-19 nas favelas, Ana Lélia pontua o quanto os moradores que saem cedo de casa para trabalhar todos os dias, em outras cidades, e pegam transportes públicos lotados, se expõem ao vírus. Segundo ela, não é uma escolha, é uma necessidade. E, em muitos desses casos, a doença é levada para idosos, crianças ou pessoas com comorbidades que residem na mesma casa. “A nossa reinvindicação é que as vacinas cheguem a todos os trabalhadores. O motorista de ônibus, o motorista de Uber, o feirante, o mototáxi, o auxiliar de serviços gerais. Ou seja, todas as pessoas que se arriscam todos os dias para ter o pão de cada dia”, declara.
O coletivo LabJaca, que também faz parte do Painel, busca simplificar o acesso à informações sobre a prevenção do novo coronavírus dentro das favelas e periferias. Além do foco nesse processo informativo, o coletivo participa de duas ações de mobilização contra a insegurança alimentar: a campanha nacional Tem Gente Com Fome, lançada pela Coalizão Negra de Direitos, junto a outras organizações, e o Rio Contra a Fome, que é uma campanha municipal da prefeitura Municipal do Rio de Janeiro.
O cientista político e responsável pelas Relações Institucionais do LabJaca, Seymour Souza, reitera que o mais importante nesse momento é uma maior distribuição das vacinas. “É necessário que a gente tenha mais vacinas. Não adianta criar grupos prioritários se não tem vacina. E também é importante ter a dimensão que, no Brasil, não falta dinheiro para a compra delas e nem estrutura para a vacinação em massa da população. O que falta é uma gestão da crise da pandemia por parte do governo federal”, pontua.
Seymour também cita a importância da recomendação feita pelo CSN e que a realidade sobre a pandemia no Brasil é dimensionada por marcadores sociais como gênero e raça. “As pessoas negras possuem pré-disposição genética, devido a todo o processo histórico a qual foram submetidas, para algumas doenças. Doenças essas consideradas comorbidades, que facilitam o agravamento da Covid-19. Então, é essencial que exista esse recorte racial para compreender porque a mortalidade de pessoas pretas é maior do que a de pessoas brancas”, ressalta.
Além disso, o cientista político reforça que a Política Nacional de Saúde Integral da População Negra deve ser utilizada como parâmetro para atender essas demandas que existem para corpos preto. “Ela foi criada para ser usada e contém, por exemplo, quais as ações que devem ser adotadas pelo profissional de saúde no atendimento à população negra. Então, é preciso colocar em prática mesmo em um momento de crise e de pandemia como o que gente tá vivendo. É uma forma de dar legitimidade a esse processo e, mais do que isso, é humanizar e compreender quais são as problemáticas em torno da saúde da população negra”, conclui.