A comunidade quilombola Apepú, em Foz do Iguaçu (PR), enfrenta novamente a ameaça de despejo após a Prefeitura reativar uma ação judicial de reintegração de posse. O território, conhecido como Horta do Seu Zé e Dona Laíde, é reconhecido pela Fundação Cultural Palmares desde novembro de 2024 como quilombo urbano, resultado de estudos da Universidade Federal da Integração Latino-Americana (Unila) que comprovaram a ancestralidade da família Santos, remanescente do quilombo Apepú de São Miguel do Iguaçu.
O pedido de reintegração, protocolado em 2018 e suspenso durante mediação, foi reativado neste semestre pela Procuradoria Geral do Município sob a gestão do prefeito general Silva e Luna. A Defensoria Pública do Estado reagiu pedindo indenização de R$ 10 milhões por danos morais coletivos e individuais, alegando violação de direitos quilombolas garantidos pela Constituição Federal.
No terreno, onde vivem descendentes diretos de José João e Laíde Rufino dos Santos, a família cultiva hortaliças, frutas e mantém atividades de preservação ambiental há mais de três décadas. O local também serve como espaço de memória e pesquisa, recebendo estudantes da Unila e de outras instituições para oficinas de plantio sustentável e atividades de extensão.
Mesmo com o reconhecimento da Fundação Palmares e o processo de regularização fundiária em andamento no Incra, a Prefeitura argumenta que a área faz parte do Parque Córrego Brasília e, portanto, deve permanecer sob domínio público. O Incra, por sua vez, defende a transformação da área em uma Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS), modelo que permite a permanência de comunidades tradicionais e garante repasses do ICMS Ecológico ao município.

Conflitos semelhantes e a luta por reconhecimento dos quilombos
Casos como o do quilombo Apepú não são isolados. Em 2023, a comunidade quilombola Rio dos Macacos, na Bahia, enfrentou processo de remoção mesmo após reconhecimento oficial. No Maranhão, o Quilombo Santa Rosa dos Pretos lutou durante anos contra o avanço da duplicação da BR-135 sobre suas terras. Já em São Paulo, o Quilombo Cafundó, em Salto de Pirapora, sofreu tentativas de expropriação para empreendimentos imobiliários.
Esses conflitos revelam um padrão nacional de ameaças a territórios quilombolas, que persistem mesmo diante de certificações federais. Dados da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq) apontam que mais de 1.700 comunidades reconhecidas ainda aguardam a titulação definitiva de suas terras — um processo que, em muitos casos, se arrasta por décadas.
O caso de Foz do Iguaçu mobilizou apoio de instituições como a Unila, o Parque Nacional do Iguaçu, a Federação das Comunidades Quilombolas do Paraná (Fecoqui-PR) e o Centro de Direitos Humanos e Memória Popular. Todas defendem a permanência da comunidade no território e denunciam o descumprimento de tratados internacionais sobre povos e comunidades tradicionais, como a Convenção 169 da OIT.
Um símbolo de resistência e memória
Enquanto aguardam decisão judicial, Dona Laíde, de 80 anos, e sua filha Maria Serrate dos Santos, de 55, seguem cuidando da horta e das nascentes que abastecem o Córrego Brasília. “Aqui o trabalho nunca para. Tudo foi feito no braço”, diz Maria, reforçando o sentimento de pertencimento que une as gerações da família Santos à terra.
O desfecho do caso do quilombo Apepú será decisivo não apenas para a comunidade local, mas também para o futuro da política de reconhecimento e proteção dos territórios quilombolas no Brasil — um tema que continua a exigir ação efetiva do Estado e o cumprimento de direitos históricos de reparação e permanência.
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