Uso de IA em terapia cresce no Brasil e especialistas defendem limites

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Um levantamento divulgado pela agência de comportamento Talk Inc, aponta que mais de 12 milhões de brasileiros já utilizam recursos de Inteligência Artificial (IA) para fazer terapia. Desses, cerca de 6 milhões recorrem, especificamente, ao ChatGPT como forma de apoio emocional. A pesquisa da Talk Inc entrevistou mil pessoas com mais de 18 anos, de diferentes regiões e classes sociais.

Já uma pesquisa feita pelo Observatório Fundação Itaú e Datafolha, aponta que 82% dos brasileiros já ouviram falar de IA, mas apenas 54% afirmam compreender o que o termo significa. Apesar disso, 93% utilizam alguma ferramenta que aplica a tecnologia em seu cotidiano.

Foto: Pixabay

O fenômeno não é exclusivo do Brasil. De acordo com a Harvard Business Review, em 2025 o principal uso global da IA será voltado justamente para terapia e companhia, superando funções como organização pessoal e apoio na busca por propósito de vida.

E, todos esses números levantam uma questão: até que ponto essa familiaridade pode se estender a contextos sensíveis, como a psicoterapia? O Notícia Preta entrevistou duas psicólogas que avaliaram o tema com cautela.

Risco de banalização da prática

Para Elenice dos Santos, psicóloga clínica e social, o uso da IA em terapias é “totalmente incorreto”. “Não se trata de um profissional formado em psicologia dando orientações com base científica. É muito arriscado ouvir ou ler conselhos que não vêm de um profissional de saúde mental”, afirma.

Ela ressalta que a tecnologia não consegue estabelecer contratos terapêuticos, fundamentais para assegurar princípios éticos como sigilo e ambiente adequado de escuta. “Lidar com uma IA significa lidar com dados e arquivos, e não com um ser humano. Isso pode resultar em colocações erradas e até prejudicar a saúde mental do indivíduo”, completa.

Apoio complementar, não substituto

Já a psicóloga Denise Edineia da Silva, com atuação em diversidade e desenvolvimento organizacional, acredita que a IA pode ter um papel limitado de apoio, mas não substitui a relação terapêutica.

“A inteligência artificial pode e deve ser usada em atividades repetitivas, como organização de informações ou transcrição de atendimentos. Mas a psicoterapia é um encontro entre pessoas, uma conexão de almas. Esse aspecto humano a IA não é capaz de oferecer”, diz.

Segundo Denise, escutar não é apenas interpretar palavras, mas compreender nuances, emoções e subjetividades, algo fora do alcance dos algoritmos.

Questões éticas e de privacidade

O uso de plataformas de IA também acende alertas éticos. “Sem a presença de um profissional qualificado, as informações ficam expostas, comprometendo privacidade e sigilo”, avalia Denise.

Elenice complementa: “Na psicoterapia, ética e contrato de sigilo são pilares do processo, algo que uma ferramenta tecnológica não assegura”.

Limites da tecnologia

Ambas as especialistas convergem em um ponto: a tecnologia pode auxiliar em tarefas de apoio, mas não substituir a relação terapêutica. “O essencial é que a análise e a condução do processo permaneçam sempre sob responsabilidade do psicólogo”, reforça Denise.

“Psicoterapia é com psicólogo”, conclui Elenice.

O estudo do Datafolha indica alta exposição dos brasileiros a ferramentas de IA, mas nem sempre acompanhada de compreensão sobre seus limites. Para Denise, isso pode aumentar uma aceitação acrítica.

“Muitas pessoas não entendem como a IA opera: ela é limitada a tarefas repetitivas e incapaz de lidar com sentimentos e emoções. E justamente sentimentos e emoções são a base da psicoterapia”, afirma.

Rede pública em expansão

Enquanto cresce a adesão a ferramentas digitais para suporte emocional, a rede pública de saúde mental no Brasil também passa por um processo de fortalecimento. Segundo o Ministério da Saúde, o país ultrapassou em 2024 a marca de 3.019 Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) habilitados, presentes em 2.007 municípios, o que coloca o Brasil entre as maiores redes públicas de saúde mental do mundo. Atualmente, a cobertura é de 1,13 CAPS para cada 100 mil habitantes, com destaque para o Nordeste (1,28) e o Sul (1,27), acima da média nacional.

Ainda de acordo com o estudo, nos últimos dois anos, o orçamento da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) cresceu 38%, somando mais de R$ 2,3 bilhões em 2024. Além disso, o Novo PAC destinou R$ 437 milhões para a construção de 202 novos CAPS em 188 municípios, reforçando o cuidado em liberdade como política pública.

Na prática, o consenso entre especialistas é que a tecnologia pode ser útil em rotinas administrativas e organizacionais, mas a escuta terapêutica permanece.

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Elenice dos Santos é psicóloga social em um SASF, psicóloga clínica particular. Formada em Psicologia pela Universidade Santo Amaro há 4 anos, pós-graduada em Psicologia Hospitalar, Psiquiatria e saúde Mental, e Neuropsicologia.

Denise Edineia da Silva é psicóloga formada pela Uniara (2010), com MBA em Desenvolvimento Humano de Gestores pela FGV e certificação internacional em Coaching e Mentoring. Fundadora da Ujamaa Consultoria, atua com foco em diversidade, equidade racial e desenvolvimento organizacional, apoiando empresas e lideranças na construção de culturas inclusivas e sustentáveis.

Jaice Balduino

Jaice Balduino

Jaice Balduino é jornalista e especialista em Comunicação Digital, com experiência em redação SEO, assessoria de imprensa e estratégias de conteúdo para setores como tecnologia, educação, beleza, impacto social e diversidade. Mineira e uma das mentoradas selecionada por Rachel Maia em 2021. Acredita no poder da colaboração e da inovação para transformar narrativas e impulsionar negócios com excelência

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