Krenak critica COP30, aponta desprestígio dos povos indígenas e alerta: “Para bilionários, interessa mais ganhar dinheiro do que cuidar do planeta”

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O ambientalista, escritor e líder indígena Ailton Krenak afirmou, em entrevista ao jornal O Globo, que a COP30, conferência climática da ONU prevista para acontecer em Belém (PA), corre o risco de se tornar um “balcão de negócios de corporações”, com pouca representatividade de povos originários e sem compromisso real com a preservação ambiental. “Para bilionários, interessa mais ganhar dinheiro e aumentar sua força política do que cuidar da vida no planeta”, criticou.

Imortal da Academia Brasileira de Letras e uma das vozes mais influentes da luta indígena no Brasil, Krenak questionou a efetividade da conferência e afirmou que não pretende participar. “Eu não suportaria o cheiro dos bilionários. Se eu fosse seria apenas para passar vergonha ou raiva”, disse. Para ele, a COP se tornou um espaço de mercado e não de transformação ambiental: “Aquele circo não é para iniciantes”.

Krenak também demonstrou preocupação com o acesso desigual ao evento. O alto custo das hospedagens e a ausência de políticas públicas de apoio à participação dos povos tradicionais são, segundo ele, impeditivos claros. “Não tenho dúvidas de que haverá sub-representação de setores mais vulneráveis economicamente na COP30”, pontuou. Uma coalizão indígena internacional estaria tentando garantir uma relatoria própria no evento, mas Krenak se mostra cético quanto aos resultados: “Muitos não participarão porque não acreditam na relevância do documento que vai sair de lá”.

Além da crítica à conferência, Krenak denunciou o que considera o desprestígio da pauta indígena dentro do governo Lula. Segundo ele, o Ministério dos Povos Originários, comandado por Sonia Guajajara, “não tem orçamento, nem poder político”. “Se me dessem um ministério sem orçamento, eu agradeceria, mas não tomaria posse”, declarou. Para o líder indígena, não há como implementar políticas públicas efetivas sem respaldo institucional e político.

Ao abordar o cenário ambiental brasileiro, Krenak foi direto ao apontar a fragilidade da governança ambiental e a força do Congresso Nacional sobre as decisões do Executivo. “Vejo o Lula desesperado para fazer algo na área ambiental, mas não acredito mais que ele consiga reverter a situação. Temos um Congresso dominado por crimes”, afirmou. Em sua visão, o presidente está com “a faca no pescoço” ao tentar equilibrar interesses ambientais e econômicos, especialmente diante de temas sensíveis como a exploração de petróleo na Foz do Amazonas e a flexibilização do licenciamento ambiental.

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O líder indígena se disse descrente de que Lula vetará o projeto de lei que flexibiliza o licenciamento. “Acho que o Lula vai arrumar um jeito de acomodar os interesses de ambos os lados”, disse. Ele também questionou a permanência da ministra Marina Silva no governo caso os rumos ambientais sigam subordinados à lógica do mercado: “Ela não virou ministra para fazer as vontades do presidente. Marina tem a proteção do meio ambiente como prioridade”.

A crítica se estende ao Marco Temporal, que Krenak classificou como “uma mentira jurídica forjada para favorecer o latifúndio”. Para ele, os parlamentares que hoje representam os interesses antiambientais têm “cara de civilizados”, mas atuam em favor de grupos que operam garimpos ilegais, mineração predatória e outros crimes ambientais.

Em tom duro, ele também questionou o papel atual da Amazônia no equilíbrio ambiental global. “O bioma já não consegue produzir vida nem para si. Está próximo de entrar em um ponto de não retorno”, disse, referindo-se aos alertas do cientista Carlos Nobre. “A mitologia de que a Amazônia resolve hoje a questão do planeta precisa ser questionada”.

Por fim, Krenak propôs uma mudança na forma como o desenvolvimento é entendido. Para ele, o termo tem sido usado de forma equivocada, servindo como desculpa para práticas destrutivas. “Prefiro falar em envolvimento socioambiental, que cuida do humano e do que não é humano. Chamar a exploração de petróleo de sustentável é eufemismo para não enfrentar a ganância e o consumismo”, concluiu.

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