A Câmara Municipal do Rio de Janeiro aprovou, nesta quarta-feira (07), um projeto de lei que propõe a criação do “Dia da Cegonha Reborn” como data oficial da cidade. Caso o texto seja sancionado pelo prefeito Eduardo Paes (PSD), a comemoração passará a fazer parte do calendário oficial em 4 de setembro. O PL é de autoria do vereador Vitor Hugo (MDB).
O “Dia da Cegonha Reborn”, levanta questões sobre as prioridades do Legislativo municipal. Em um contexto onde mães reais enfrentam falta de acesso a serviços básicos de saúde, educação e assistência social, a criação de uma data comemorativa para bonecas hiper-realistas pode ser vista como um deslocamento das necessidades urgentes da população.

Dados do Ministério da Saúde indicam que, em 2022, 67% das mortes maternas no Brasil foram de mulheres negras. Além disso, o acesso a creches públicas é limitado: de acordo com o IBGE, em 2022, apenas 35% das crianças de 0 a 3 anos estavam matriculadas em creches no estado do Rio de Janeiro, abaixo da meta do Plano Nacional de Educação, que prevê ao menos 50% de cobertura.
Mas segundo o PL 1892/2023 , o projeto foi criado a partir de um grupo de artesãs que encontraram nessas bonecas, um apoio psicológico. “Tendo em vista a relevância da Cegonha Reborn e em reconhecimento da ajuda psicológica que essas bonecas proporcionam a tantas famílias, um grupo de mulheres da Instituição Cegonha Reborn se reuniram na Estrada do Portela, N° 446, no dia 4 de Setembro de 2022, para juntas, lutarem em prol do reconhecimento desta data no Calendário Oficial da Cidade“.
Além disso, a justificativa do projeto diz que, “o nascimento de um bebê é um momento singular na vida de uma mulher, e não é diferente para as mamães reborn, porém, os seus filhos são enviados por cegonhas, sendo esse o nome conferido às artesãs que customizam bonecas para se parecerem com bebês reais”.

O projeto possui a intenção de ajudar essas mães, mas para a psicóloga Mariana Luz, a comoção seletiva revela o quanto a sociedade ainda opera sob uma lógica de afeto condicionado.
“Essa celebração escancara um paradoxo doloroso: a sociedade parece ter mais facilidade em oferecer cuidado para o que é simbólico, idealizado e controlável, do que para vidas reais, com suas complexidades. Crianças reais exigem presença, estrutura, responsabilidade — e, infelizmente, muitas vezes são vistas como ‘complicadas demais’ para merecer o mesmo nível de mobilização afetiva. O afeto, quando condicionado ao que é perfeito ou previsível, se torna seletivo. E isso revela o quanto ainda estamos presos a uma lógica de afeto higienizado, que foge da dor, da história, da marca da vida real”, analisa.
O fenômeno das bonecas reborn, amplamente consumido por mulheres que buscam nelas um escape emocional para o luto, a infertilidade ou o abandono, ganha contornos mais complexos quando inserido em um país que pouco acolhe o luto materno ou as dores da maternidade solo.
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