Por Jéssica Silva de Oliveira – Advogada Civilista
No início da semana, em meio à pressão dos comerciantes locais, o prefeito de Itabuna, cidade do sul da Bahia que já conta com mais de 2.500 casos confirmados de coronavírus, anunciou que reabriria o comércio, “morra quem morrer”. Após a repercussão negativa da fala e o recebimento de um relatório da Procuradoria Jurídica do Município atestando a ocupação de 100% dos leitos de UTI da cidade, o prefeito decidiu adiar a reabertura.
Na mesma semana, no Rio de Janeiro, cidade com a maior quantidade de casos confirmados de coronavírus no estado, com a implementação da terceira etapa de flexibilização do isolamento social, foi autorizada a reabertura de bares e restaurantes, dentre outros estabelecimentos.
Como resultado disso, logo no primeiro dia houve diversos registros de bares na zona sul do Rio, funcionando durante toda a madrugada (em desrespeito ao limite de horário imposto) e com violação das regras de distanciamento e de uso de máscara por parte dos frequentadores, principalmente no bairro do Leblon.
Esse desfecho, nestas áreas elitizadas, só confirma como se dão as relações de classe no Brasil. Estas pessoas, filhos da classe média e alta do Rio de Janeiro, gozam do privilégio de optarem pela aglomeração e pelo não uso de máscaras, em prol de momentos de lazer, pois, na pior das hipóteses, não serão elas a amargarem em uma fila de espera por leito no SUS.
Por outro lado, quais são as opções dos trabalhadores desses estabelecimentos, expostos diariamente ao risco de contágio pela clientela abastada, além de se agarrarem à sorte de não serem contaminados enquanto garantem o sustento do mês? É a concretização da política do “morra quem morrer”.
O mesmo ocorre com as empregadas domésticas que, desde o início da epidemia no Brasil, quando não são coagidas a trabalharem para elite privilegiada que faz festas clandestinas, são dispensadas sem qualquer remuneração, em flagrante violação dos direitos trabalhistas. Prova disso é o percentual de 45% de empregadores, das classes A e B, que dispensaram empregadas domésticas sem pagamento, segundo pesquisa do Instituto Locomotiva.
Estamos falando de uma elite que ora negligencia a vida do filho da emprega para fazer as unhas, ora mantém uma trabalhadora doméstica em situação análoga à escravidão, repassando de geração em geração como uma propriedade privada.
O que se vê, dia após dia, é que a eleição de um governo reacionário, sustentado por esta elite, serviu prioritariamente para oficializar um sistema de desigualdades que bancasse os anseios de uma minoria privilegiada, custe o que custar, inclusive a vida dos trabalhadores e de seus familiares.
Estamos assistindo à instauração de um processo de extrema vulnerabilização daqueles que já se encontram na base da pirâmide social, composta majoritariamente pela população negra, tornando o amanhã uma grande dúvida em meio a tanta precarização nas relações de trabalho.
Neste cenário onde a epidemia está longe do fim, conforme tem alertado a Organização Mundial da Saúde (OMS), é extremamente preocupante o avanço de medidas que flexibilizam o distanciamento social, sem considerar o impacto na vida daqueles que não gozam do privilégio de ter opções.
Afinal, quem zela pela garantia de condições dignas daqueles que são submetidos à política do “morra quem morrer”?