Extrema-direita cresce no parlamento europeu e especialista analisa a volta do “fascismo”

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Após o resultado das eleições envolvendo os 27 países da União Europeia, que terminou no último domingo (09), é possível ver o aumento da extrema-direita nas cadeiras do parlamento, que refletem os últimos anos políticos dos principais países do continente. Alemanha e Itália tiveram ascensão da direita e o presidente da França, Emmanuel Mácron dissolveu o parlamento francês para adiantar eleições internas.

A eleição ainda não terminou, mas 16 de 27 países já tiveram os votos apurados. As preliminares indicam que a centro-direita ainda será o maior grupo no parlamento europeu. O doutorando em História Comparada pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Eden Pereira, explica em entrevista ao Notícia Preta que o retorno da extrema-direita na Europa depois de quase 100 anos se deve a dois grandes fatores, para ele: o fracasso da democracia liberal e a ausência de setores políticos populares.

As eleições do parlamento europeu já indicam o aumento da extrema-direita /Foto: Pexels

“A institucionalização do neoliberalismo a partir da década de 1980 aprofundou a estagnação da sociedade europeia iniciada no período da segunda metade do século XX, quando as potências imperialistas perderam espaço para os EUA e sofreram derrotas nas Revoluções anticoloniais. O Estado de bem estar social foi completamente desmontado por governos de diferentes colorações políticas em vários países”, explica o historiador, que continua:

“A população europeia passou por um rápido processo de empobrecimento, que foi fruto da desregulamentação do mercado de trabalho e da marginalização crescente de partes da população na nova fase produtiva do capitalismo europeu. Essa sociedade desigual de limitadas expectativas para as pessoas gerou um justo sentimento de revolta contra esse sistema”.

O parlamento europeu será composto pelo Partido Popular Europeu (EPP), mas haverá avanço da extrema-direita, que é majoritariamente representadas pelos conservadores e reformistas (ECR) e pelo Identidade e Democracia (ID). A centro-esquerda (S&D e Renovar a Europa) perdem cadeiras assim como o verdes (ambientalistas). Cada país vota em seus deputados para o parlamento.

Sobre a ausência de setores políticos populares, Eden explica:

“Com o fim da Guerra Fria, foi instalada na Europa uma narrativa política de que qualquer alternativa ao neoliberalismo, no passado ou no presente, fracassaria. Os antigos partidos socialistas e comunistas na Europa ocidental e oriental foram dissolvidos, ilegalizados ou passaram integrar a ordem neoliberal. As forças políticas da esquerda social democrata e da direita liberal tornaram-se gestoras do sistema neoliberal de tal forma que para a população deixou de existir a tradicional diferença entre os dois grupos. Inclusive em alguns lugares essas duas frações uniram-se entorno de movimentos e figuras completamente “ocas” política e ideologicamente“, pontua.

O historiador usa como exemplo então, o governo Macron na França, que segundo ele “aglutinou membros do antigo Partido Socialista francês e gaullistas da União por um Movimento Popular. Isso ofereceu o espaço político necessário para que a posição antissitêmica fosse preenchida pelos setores fascistas europeus que permaneceram marginalizados após a Segunda Guerra Mundial”.

Centro-direita e extrema-direita tem maioria no parlamento da União Europeia – Foto: Arte retirada do site oficial da União Europeia.

Alemanha, Itália e França

Na Alemanha, o partido Alternativa Para Alemanha (AFD), que é de extrema-direita, se tornou a segunda maior força no parlamento europeu, atrás apenas do CDU/CSU, que é formado por dois partidos democrata cristãos do país.

Na Itália, o FdI (Irmãos da Itália), partido da primeira-ministra de extrema-direita italiana, Giorgia Meloni obteve maioria das cadeiras no país. Na França o RN (Reagrupamento Nacional), partido de extrema-direita que tem como líder Marine Le Pen, obteve maioria das cadeiras também com 31,37%.

O presidente Emmanuel Macron pressionado pela direita anunciou a dissolução do parlamente interno para adiantar as eleições, mas isto causou rachas entre a própria direita moderada e a extrema-direita. Já a esquerda se organiza numa frente antifascista. No meio disto tudo e de uma guerra entre Israel e Palestina, Rima Hassan, ativista e jurista nascida em um campo de refugiados palestinos, se tornou a primeira franco-palestina a se sentar no Parlamento Europeu.

Para o doutorando, há uma tendencia de fascistização da direita, ele conta que na história ocorreram episódios precedentes nos quais houve esse processo .

“A ascensão do fascismo na Europa durante as décadas de 1920 e 1930 foi uma reação ao terremoto causado pela Revolução Russa. Porém, podemos citar casos que não necessariamente envolveram um processo de fascistização do Estado, mas uma aliança entre a direita liberal e a fascista sob governos autoritários para enfrentar processos de crise do capitalismo em momentos de avanço das forças populares e do socialismo. As ditaduras que emergem na América Latina entre as décadas de 1950 e 1970 possuem essas características. A ditadura brasileira no pós-1964 tinha uma série de ministros e secretários que eram figuras públicas simpáticas e orientadas por ideias e práticas fascistas sob um governo liberal”, explica.

Direita cristã no poder e crescimento da extrema direita é o atual quadro da Alemanha no parlamente europeu – Foto: Arte retirada do site oficial da União Europeia.

Brasil

Na América do Sul não é muito diferente. A Argentina tem o presidente da extrema-direita Javier Milei no comando da política, mas olhando para o Brasil, Éden Pereira analisa o fenômeno no país. Para ele, há dois fascismos na história do Brasil: um era o integralista, que foi historicamente presente até a ditadura; o outro, que é derivado deste primeiro fascismo porém com características diferentes, é o que os jornalistas e acadêmicos passaram a chamar de “bolsonarismo”.

“Até a década de 1980, esse fascismo integralista tinha uma forma de ação e recrutamento muito mais restrita a intelectuais, militares e algumas frações da classe média. Isso era resultado da derrota política sofrida pelos integrantes do fascismo brasileiro no Estado Novo, quando Plínio Salgado e outros integralistas tentaram um levante contra Vargas em 1938. Os fascistas brasileiros eram marginalizados perante a direita liberal. Eles só conseguem voltar a ter algum protagonismo após 1964 porque a parte golpista da direita liberal que derrubou João Goulart era incapaz de derrotar o amplo e popular projeto trabalhista sozinha”, explica.

O Bolsonarismo

Não se pode dizer que todos que votaram em Bolsonaro são fascistas, mas para Eden, “Bolsonaro é a figura que representa todos esses grupos [fascistas], porque conseguiu unificá-los. Nenhum líder político ou intelectual fascista conseguiu isso na história do Brasil Esse feito transformou o fascismo num movimento de massas no Brasil sob o nome de ‘bolsonarismo'”.

“O novo fascismo brasileiro, chamado por vezes de “bolsonarismo”, é algo mais difuso, pois absorve características de uma nova direita mundial que aparece no fim da Guerra Fria, resgata temas tradicionais do integralismo com uma nova linguagem, e é composto por diversos grupos. O tradicional conservadorismo católico foi substituído por um protestantismo de linguagem fascista influenciado pelo neoconservadorismo de origem estadunidense. Os antigos militares integralistas como Augusto Radamaker e Silvio Frota foram deram lugar a tecnocratas como Augusto Heleno, Braga Netto e Eduardo Pazuello, que são discípulos das ideias de David Patreus e James Mattis acerca de “State Building”- Construção de Estado. A antiga classe média comercial, industrial e de funcionários públicos liberais também foi substituída por um grupo de fazendeiros, empresários lojistas, funcionários do setor financeiro e famílias de renda decadente que sentem-se ameaçadas pelo fim da meritocracia”, analisa Eden.

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Thayan Mina

Thayan Mina

Thayan Mina, graduando em jornalismo pela UERJ, é músico e sambista.

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