No Brasil, 37% das pessoas que atuam em Tecnologia são pretas, apesar de a quantidade de pretos e pardos no país chegar a 56,1%; entidade atua para transformar cenário
A área de tecnologia no Brasil é composta majoritariamente por homens brancos, apesar de este não ser um retrato do país e não representar a população contida nele: em TI, 68% são homens e 32% mulheres; 58,3% das pessoas são brancas e 37% pretas, de acordo com dados da pesquisa #QUEMCODABR. Porém, segundo o IBGE 2020, o país tem 56,1% de pessoas negras, sendo que 28% são mulheres.
Além disso, de acordo com o estudo já mencionado, em mais de 32% das empresas, não há nenhuma pessoa negra nas equipes de trabalho em Tecnologia e, em mais de 68% dos casos, as pessoas negras representam no máximo 10% das pessoas nas equipes. Mas a ONG Escola da Nuvem, voltada para a capacitação e empregabilidade de jovens em situação de vulnerabilidade para as áres de Tecnologia e Cloud Computing, busca mudar esses números.
“Hoje muito se fala na inserção dos negros no mundo da Tecnologia, que é preciso ter esse olhar, essa sensibilidade e existe esse movimento grande que está se propagando. Porém, ainda assim, deixa-se a desejar, pois subentende-se que não somos capazes, que não conseguimos desenvolver as tarefas ou compreender de forma assertiva o que se pede“, aponta Leandro França, que atua como voluntário na Escola da Nuvem.
“Vivemos uma cultura em que os brancos são os que ocupam esses espaços, principalmente os de liderança. Então, ainda vejo a necessidade de mais mudanças. Acredito que não são só os negros que deixam de ter uma boa educação hoje no Brasil, mas ainda assim existe aquele preconceito de estar num lugar em que todos olham e acham que não é para você estar ali”, defende.
O primeiro contato dele com a área de Tecnologia aconteceu em 2015, por meio de um curso de licenciatura em Computação. “Era algo que eu via, ouvia todo mundo falar, acompanhava na TV. Desde pequeno a gente percebe a tecnologia: ela atrai, chama a atenção, é como se fosse uma mágica”, expande ele, que acredita que é preciso confiar no próprio potencial e na possibilidade de desenvolver conhecimento para conseguir prosperar na área, além de buscar conhecimento por meio de estudos e da construção de uma marca pessoal.
Segundo ele, o fator crucial para que conseguisse seguir na área de Tecnologia foi a ONG em que atua hoje, um projeto social voltado a capacitar e empregar jovens em situação de vulnerabilidade para seguir carreiras em Tecnologia e Cloud Computing. Lá, além de certificação em fundamentos de nuvem, como AWS e Microsoft, os alunos também recebem acompanhamento sobre habilidades comportamentais requisitadas na área de Tecnologia e trilha de carreira até conseguirem o primeiro emprego na nuvem.
“Se não fosse essa forma de educar, de transformar vidas, não ia acontecer essa mudança na minha vida. O interessante do projeto é que ele propõe e oferece pegar na mão do aluno e sair caminhando: no início você vai conhecer os fundamentos básicos e conseguir a primeira certificação. Em seguida, a Escola te dá todas as orientações de soft skills, além de caminhar com você no processo de empregabilidade. Eu acho isso magnífico, fantástico, um diferencial”.
Mas, mesmo contando com iniciativas como a Escola da Nuvem, Leandro ainda percebe uma dificuldade geral para que pessoas negras estejam inseridas e participem de fato do mercado de trabalho em Tecnologia.
“Moro no Nordeste e percebo que existe uma grande diferença em relação às empresas criadas e em atividade, porque a minoria está aqui. Isso é muito difícil quando se trata de empregabilidade, principalmente com a dificuldade de encontrar um trabalho que seja totalmente remoto”, comenta. De acordo com o estudo Panorama de Talentos em Tecnologia, feito pelo Google for Startups com o apoio da Abstartups e da Box 1824, 43% das oportunidades em Tecnologia estão concentradas apenas no estado de São Paulo, um desafio para a construção de talentos em visão nacional.
Para Leandro, falta posicionamento da parte do mercado para que este cenário mude. Inclusive, a ausência de pessoas negras no mercado de trabalho compromete a inovação das empresas. De acordo com a pesquisa “Diversity Matters Latin America”, realizada pela McKinsey & Company, sobre o estado da diversidade corporativa na América Latina, o compromisso com a diversidade está diretamente ligado à busca por melhores práticas de negócios.
O estudo revela que, por conta dos efeitos positivos da diversidade, existe uma chance 152% maior de as pessoas se sentirem capacitadas a propor novas ideias e explorar abordagens inovadoras, além da probabilidade 64% maior de colaborarem ativamente com a organização com melhores práticas.
“Falta a compreensão de quem está do outro lado de oferecer a primeira chance [de trabalho]. Muitos talentos não deixam a desejar, mas só por serem negros são subjulgados e inferiorizados. Gostaria que quem está do outro lado olhasse para isso, porque é pela possibilidade de o outro também crescer, de se sentir parte, se sentir acolhido, de fazer parte de um desenvolvimento”, defende Leandro.
“Quando chegar esse momento de ter mais e mais pessoas negras atuando em Tecnologia, desenvolvendo, criando, implementando, será muito significativo para toda humanidade, porque vamos deixar de ter softwares e produtos tecnológicos que são criados a partir de algoritmos racistas, ou seja, desenvolvidos só por pessoas brancas, sem ter nenhum tipo de olhar para as pessoas que também usam aquele produto [e são negras]“, explica Leandro, que continua:
“Vai mudar também a desigualdade, teremos um respeito maior pelas pessoas da comunidade negra. Vai ter uma mudança significativa na sociedade com relação à criminalidade e à prostituição. A partir do momento que um negro ou um cidadão qualquer tiver a possibilidade de crescer no mundo da Tecnologia de forma igualitária, onde todos possam ter acesso às mesmas informações, acontecerá uma transformação”, finaliza.
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