Levantamento orienta escolas a implementarem práticas educacionais antirracistas
A edição atualizada dos “Indicadores de Qualidade na Educação – Relações Raciais na Escola – Antirracismo em Movimento“, lançada no fim do último ano, direciona escolas na implementação de práticas educacionais antirracistas.
O estudo aponta sete indicadores: relacionamento e atitudes racistas; currículo e prática pedagógica; recursos e materiais didáticos; acompanhamento, permanência e sucesso; a atuação dos profissionais de educação; gestão democrática e participação; para além da escola: a relação com o território. Elaborada pela Ação Educativa, e com apoio do Projeto SETA, a metodologia utilizada permite que todas as escolas se autoavaliem, com base nas suas experiências. O levantamento contou ainda com o apoio do Ministério da Igualdade Racial e Ministério da Educação.
De acordo com Ana Paula Brandão, gestora do Projeto Seta, os INDIQUEs são uma ferramenta comprovadamente bem-sucedida de autoavaliação da qualidade na educação. O grande diferencial, segundo a profissional, é a construção de forma participativa, com a contribuição de várias instituições, educadores, professores e especialistas na temática.
“Especialmente, os Indicadores de Qualidade na Educação – Relações Raciais na Escola, são fundamentais para orientar a escola e seus gestores na implementação da Lei 10.639/03, que torna obrigatório o ensino da história e cultura afro-brasileira e africana em todas as escolas, públicas ou particulares, desde o Ensino Fundamental até o Ensino Médio”.
Projeto de leitura incentiva o ensino da história e cultura afro-brasileira e africana
Criado há três anos, o projeto “Black Girls” funciona na Escola Estadual PEI Luiz Campo Dall´Orto Sobrinho, em Sumaré (SP). Sob orientação da professora Eliana Cristo, a iniciativa conta com um clube de leitura que reúne um grupo de estudantes para incentivar a prática da educação antirracista.
Nos encontros, são compartilhadas obras de importantes nomes da literatura negra, como Conceição Evaristo, Itamar Vieira Júnior, Djamila Ribeiro, Lázaro Ramos, entre muitos outros.
“O interesse dos alunos pela participação aparece quando eles percebem que as obras desses autores negros abordam histórias muito próximas à realidades deles, de violência urbana, luta de mães para sobreviver e violência no ambiente doméstico”, explica Eliana.
A professora destaca que a motivação para criar o projeto surgiu a partir da observação de uma vida inteira atuando em escola pública e percebendo que, ao terminar o ensino médio, os alunos negros viam o fim da vida acadêmica.
“A história de vida das escritoras que lemos no clube da leitura é a história de vida das mães das minhas alunas, ou delas próprias. Hoje, essas autoras estão em outro momento de vida e isso passa pela educação: é uma inspiração para as outras pessoas. Ajuda a nos empoderar e fortalecer”, destaca.
E esse fortalecimento, segundo ela, também tem relação direta com o cumprimento da Lei 10.639. “Nós estamos em um país com mais de 50% da população negra, que se encontra na escola pública, e são eles que sofrem com exclusão, discriminação, versão estereotipada da sua estética e tem dificuldade de reconhecer que são negros. Eu entendo que a lei é uma forma de proteção, por isso ela não pode ser trabalhada só com evento no dia da Consciência Negra, precisa ser cumprida”, defende.
Eliana Cristo ressalta ainda que mais de 50% dos jovens de escolas públicas da periferia são negros e que eles precisam se ver representados. Ela enfatiza que esse movimento faz parte de um processo de fortalecimento da autoestima, de empoderamento, consciência identitária, de direitos, e de que o racismo hoje é crime. De acordo com a professora, é neste sentido que a escola é estruturante: para desconstruir o racismo estrutural no Brasil.
Ambiente escolar é um dos principais locais de violência racial no país
A pesquisa “Percepções do Racismo no Brasil”, encomendada ao IPEC pelo Projeto SETA (Sistema de Educação por uma Transformação Antirracista) e o Instituto de Referência Negra Peregum, apontou o ambiente escolar como um dos principais locais da violência racial no Brasil.
O estudo constatou que entre as pessoas negras que afirmaram ter vivido alguma situação de racismo, 38% disseram que o ataque aconteceu na escola, faculdade ou na universidade. E 63% das mulheres negras confirmaram que percebem a raça como principal fator motivador de violência nas escolas.
O dado é preocupante e traz, ainda, uma reflexão acerca da implementação da Lei 10.639, que torna obrigatório o ensino da história e cultura afro-brasileira no currículo escolar. Apesar da legislação, a maioria das instituições de ensino não proporciona esse tema aos estudantes. De acordo com Ana Paula Brandão, o marco legal é fundamental para construção de um ecossitema de educação antirracista. No entanto, fica o questionamento: quando as leis serão de fato implementadas nas escolas brasileiras?
“A violência em espaços escolares talvez seja a parte mais dramática das violências a que nossas crianças e jovens estão expostos. A escola deveria ser um ambiente seguro, de socialização. Porém, é um espaço que acaba propiciando episódios de violência física e simbólica. Precisamos entender que o racismo também é um gerador de violência. Xingamentos, exclusão e bullying acabam atingindo muito mais crianças negras e indígenas”, comenta a historiadora.
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