Por Dr. Saulo Gonçalves – Nutricionista Clinico
Em outubro, a Organização Mundial da Saúde (OMS) divulgou um novo guia com recomendações para a introdução alimentar de bebês e crianças de 6 meses a 2 anos de idade. O documento traz orientações sobre como começar a oferecer outros alimentos, além do leite materno ou da fórmula.
De uma forma geral, o guia reforça recomendações que há tempos já são dadas pelos principais órgãos de saúde, como a Academia Americana de Pediatria (AAP), a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) e o Ministério da Saúde (MS). Apesar disso, ele traz também algumas novidades.
A grande novidade trazida pelo guia é a de que fórmula não é recomendada para bebês com 1 ano de idade ou mais. Pela primeira vez, a OMS publicou um documento oficial recomendando que fórmulas lácteas sejam usadas apenas até os 12 meses de vida. A partir dos 12 meses, a fórmula deve ser substituída por outro leite de origem animal.
O que a OMS entendeu é que, depois de 1 ano, a criança não precisa mais da fórmula e pode migrar para o leite de origem animal, porque ela já tem uma alimentação mais rica em nutrientes. Você sabia que a infância é uma fase extremamente importante na formação dos hábitos alimentares?
A alimentação na primeira infância tem impacto sobre o crescimento inicial e a formação de preferências de sabor, bem como sobre os resultados de saúde na vida adulta, como a diminuição do risco para doenças crônicas (diabetes, hipertensão, obesidade, doenças do coração, câncer) e melhora do desenvolvimento neurocognitivo.
A formação do paladar se inicia antes da apresentação alimentar, uma vez que o que a mãe come é transmitido ao líquido amniótico durante a gravidez e ao leite materno durante a lactação. Ou seja, a alimentação saudável da mãe associada a uma alimentação complementar bem orientada, aumenta a vontade da criança de experimentar novos alimentos em um ambiente social positivo.
As crianças são predispostas a preferir alimentos com alto teor de energia, açúcar (hábitos negativos) e a rejeitar novos alimentos (neofobia alimentar). Embora existam diferenças individuais geneticamente determinadas, a oferta repetida de alimentos pode modificar as preferências inatas, ainda mais que os bebês são mais propensos a aceitar novos alimentos. Ademais, os pais devem promover uma dieta variada e a curiosidade da criança por alimentos para reduzir a neofobia (e oferecer os alimentos no mínimo 10 vezes).
Após a idade de 3-4 anos, os padrões alimentares permanecem estáveis, destacando ainda mais a importância de aproveitar os estágios iniciais de aprendizagem da alimentação. Vale destacar que aquilo que é oferecido para a criança pelas pessoas mais próximas (pais, avós, educadores) até os 10 anos,
período que o paladar ainda está se desenvolvendo, será provavelmente aquilo que ela irá preferir para o resto da vida!
Infelizmente um fator social e econômico tem afetado bastante a saúde dos bebês, principalmente quando pegamos a relação e acesso ao alimento de qualidade sobretudo a população com renda mais baixa e população periférica. Uma pesquisa feita pelo coordenador que observa Infância e pesquisador do Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde (Icict/Fiocruz), Cristiano Boccolini, aponta diversas causas que podem estar ligadas a essa piora na desnutrição de bebês, como a alta acumulada no preço dos alimentos, o aumento da informalidade no trabalho e a redução da renda dos trabalhadores. Ele avalia que esses problemas afetam o acesso aos alimentos e o aleitamento materno.
“Às vezes, a mulher tem que conseguir um bico ou um trabalho, um subemprego, ou um trabalho em condições informais ou mesmo formais, mas que não dispõe mais da licença maternidade de 4 meses, férias etc, ou não dispõe de nenhuma rede de proteção que ampare ela a manter o aleitamento materno, e acaba tendo que comprar leites ou fórmulas“, que são caras. Explica o pesquisador.
A alta acumulada em 2021 já representa um aumento de 51% em relação a 2011. O pesquisador ressalta que, ao ser internada no SUS, uma criança nessa faixa etária se recupera daquele ciclo de desnutrição que poderia levá-la a morte, mas pode carregar prejuízos por ter passado por carências nutricionais em um momento crucial para a formação de seu organismo.
“As consequências a médio e longo prazo são praticamente irreversíveis. Tem um impacto considerável na capacidade cognitiva dessa criança, que pode ser afetada por quadros de desnutrição grave, na formação dos órgãos internos que mais à frente, na idade adulta, podem levar a doenças como hipertensão, diabetes e até obesidade“, exemplifica Boccolini, acrescentando que, com a persistência do quadro de desnutrição ao longo da vida, a criança estará mais exposta a quadros graves de
doenças infecciosas.
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