No dia Internacional dos Direitos Humanos (10/12) uma mãe sobe a tribuna da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro e estende uma camisa de escola pública, rasgada e com sangue já seco. A blusa pertencia ao seu filho, Marcos Marcus Vinicius da Silva, de 14 anos, morto durante uma operação no Complexo da Maré, no dia 20 de junho de 2018. Bruna da Silva, mãe do adolescente executado quando saia para ir à escola, participava de um evento sobre 70 anos da Declaração dos Direitos Humanos: “Eu decidi lutar. Tenho minha filha para criar e preciso estar forte, mas chorar a gente chora. Deixo para chorar em casa, aqui eu luto”, disse a jovem mãe.
O artigo 3° da Declaração Universal dos Direitos Humanos não foi respeitado na vida de Bruna e de sua família. Ele diz que “Todo indivíduo tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal”. Mas onde está nosso direito à vida quando a cada 23 minutos um jovem negro é assassinado no Brasil? Para o presidente do Conselho Estadual dos Direitos do Negro do Rio de Janeiro (CEDINE), Luiz Eduardo Negrogun, os jovens pretos e de periferia não possuem socialmente os mesmos direitos que os brancos: “Nós não temos o direito de existir. Essa forma de extermínio é a reprodução do processo escravocrata, do holocausto de 500 anos de perseguição dos povos tradicionais de matriz africana e seus descendentes. Quando sistematicamente esses jovens são assassinados e encarcerados, pois, nas prisões de adultos 80% são afrodescendentes e nos chamados reformatórios são 85%. A população negra que está nesses lugares acaba se marginalizando. Não dando educação à esta população é dar o argumento para serem exterminados quando saírem ali de dentro. Ou seja, nossos jovens não têm direitos pois, o processo que está sendo feito é de tentar à bala clarear a população brasileira”.
Para o advogado criminalista Joel Luiz da Costa o sistema de segurança do Estado não se aplica da mesma forma a todos os cidadãos: “O sistema criminal é seletivo quando ele escolhe perseguir, criminalizar e prender jovens negros nas periferias. O sistema de justiça civil, que rege as relações de pessoas físicas, é seletivo quando prioriza e enxerga com maior ‘boa vontade’ as pessoas brancas. A segurança proporcionada pelo Estado é pra quem? Se ela fosse para todos não existiria caveirão dando tiro a esmo na favela. Não existe bala perdida em beco estreito. O projeto de segurança que o estado proporciona para o cidadão não é para todos e sim para um grupo específico, branco, elitizado, de bairro nobre. Na periferia não tem um projeto de segurança pública e sim um projeto de massacre, genocídio e controle de corpos indesejados seja pela sociedade e pelo capital”.
Enquanto as autoridades não garantem plenamente o que nos propõe o Artigo 3° da Declaração Universal dos Direitos Humanos, a população negra continua correspondendo a maioria (78,9%) dos 10% dos indivíduos com mais chances de serem vítimas de homicídios, segundo dados do Atlas da Violência 2017. Os homens, jovens, negros e de baixa escolaridade são as principais vítimas de mortes violentas no País. De cada 100 pessoas assassinadas no Brasil, 71 são negras. De acordo com informações do Atlas, os negros possuem chances 23,5% maiores de serem assassinados em relação a brasileiros de outras raças, já descontado o efeito da idade, escolaridade, do sexo, estado civil e bairro de residência.