“Poucas mudanças econômicas, sociais e culturais para a maioria da população brasileira”, diz especialista sobre 7 de setembro

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“A escravidão foi mantida e o segundo fato fundamental é que a monopolização da terra a partir de grandes latifúndios para exportação também”, explicou Jones Manoel, que é doutorando em Serviço Social e historiador. Em exclusiva ao Notícia Preta o intelectual e influenciador falou sobre a Independência do Brasil, o famoso 7 de setembro, e os impactos na população.

“O 7 de setembro no Brasil teve poucas mudanças econômicas, sociais, culturais e institucionais para a maioria da população brasileira”, explica. No começo do século XIX o Brasil era um país fundamentalmente agrário. A imensa maioria da sua população vivia em zonas rurais e as pouquíssimas cidades que existiam eram diminutas e basicamente viviam em torno de atividades também exportadoras.

Segundo historiador, a independência rendeu poucas mudanças positivas para os grupos marginalizados /Foto: Marcello Casal Jr – Agência Brasil

O que mudou no dia 7 de setembro?

O historiador conta que a atividade econômica na época vivia um momento decadente da mineração de Minas Gerais. Os núcleos urbanos viviam em torno de comércios, serviços e afins, servindo as atividades exportadoras, que eram fundamentalmente: café, cana de açúcar, algodão e cacau em algumas regiões.

Para ele, quando aconteceu a independência, teve um processo de mudança do centro de poder formal no Brasil, mas a estrutura socioeconômica do país permaneceu a mesma. A grande diferença que se pode apontar é que, com a independência, a elite agrária e escravagista conseguiu ganhar mais poder político.

“Claro que, na relação de um país formalmente independente, foi se aprofundando cada vez mais a dependência econômica, especialmente da Inglaterra, mas do ponto de vista de organização do aparelho do estado, cada vez mais a elite agrária escravagista interna conseguiu mais espaço de poder frente a que era a situação com domínio português. Então, para a maioria da população, a independência foi uma transformação jurídico-política de baixíssimo significado nas condições concretas da sua vida”, explicou.

Relação de dependência do Brasil com Portugal e Inglaterra

“O Brasil tem uma relação centro-periferia com Portugal, mas não no estilo clássico, como a gente pensa a relação centro-periferia nos termos da CEPAL, colocados no século 20, que era um país primário exportador e que importava principalmente produtos industrializados de maior densidade tecnológica e produtividade do trabalho”, iniciou o historiador, explicando com mais detalhes, como se deu essa relação:

Portugal não conseguiu se industrializar por uma série de fatores e, na prática, era a Inglaterra que cumpria já esse papel antes da independência de potência industrial exportadora para o Brasil”, diz Jones.

O professor alerta que pensadores como Nelson Werneck Sodré, destacam que sobre muitos aspectos, Portugal servia como entreposto: o ouro, o diamante que saía do Brasil, ia para Portugal. De Portugal parava na Inglaterra, porque Portugal era dependente da potente indústria inglesa em franca expansão, e o Brasil por tabela, também. Quando aconteceu a independência, a questão com Portugal era uma questão política, não tanto econômica. Tanto é assim que o Brasil tem um fato curioso, segundo ele.

“Não há uma hostilidade aberta enquanto sentimento popular, enquanto histórico das organizações de esquerda, socialistas, comunistas e tal, frente a Portugal, diferente do que acontece, por exemplo, em outros países da América do Sul, frente a Espanha ou países de África, frente a seu antigo colonizador, a França principalmente. Justamente porque a antiga potência colonial do Brasil foi sendo suplantada no âmbito da divisão internacional do trabalho e perdendo importância econômica nas disputas imperialistas”, explicou.

Da independência da colônia a condição de país dependente

Jones Manoel utiliza a Teoria Marxista da Dependência, para explicar que o Brasil não é mais um país colonial. Segundo ele essa condição foi superada, mas que esse é um país de capitalismo dependente. Para ele, entre a condição colonial e a condição de dependência, há muitas descontinuidades, mas há também muitas continuidades. Essas então no altíssimo grau de abstração, que possui as determinações mais gerais, mas com formas históricas diferentes.

“O Brasil continua um país dependente e subordinado na divisão internacional do trabalho. Segue tendo um país em que o aparato de Estado tem como suas funções centrais garantir a riqueza de uma minoria que concentra a maior parte da riqueza do país. Certamente da maioria da população que não se beneficia dessa produção nacional de riqueza, né? Assim como um estado que atua como um poder punitivo contra a maioria da população”, exemplifica ele.

O historiador explica que o país segue sendo um consumidor de tecnologia, não conseguindo assumir um papel de vanguarda no desenvolvimento científico-técnico global, chegando atrasado e de maneira não-autônoma na aplicação das novas vanguardas produtivas que de tempos em tempos aparecem no capitalismo.

O doutorando entende que, o ponto central é que a condição de colônia não é rompida na independência, mas passa a ter uma nova forma histórica de subordinação na divisão internacional do trabalho.

“Da colônia para o capitalismo dependente, temos muitas transformações, mas muitas permanências. Nos últimos anos, com a expansão do agronegócio, a economia brasileira parece cada vez mais com a economia do período colonial. Se você junta soja, cana de açúcar, pecuária, cortes de carne, mais petróleo bruto e minério bruto, eles conformam 70% da pauta exportação do Brasil e mais ou menos de 25 a 30% do PIB. Então, é uma economia totalmente voltada para fora, sem benefícios para a maioria da população, para abastecer as necessidades do mercado mundial”, argumentou.

Quem se beneficia nesse modelo

Para ela, a resposta é muito nítida: “As elites brasileiras foram quem fundamentalmente se beneficiou da independência. A maior parte da população trabalhadora era escravizada, e a situação não mudou. A população indígena também não teve a situação modificada, ficou tudo na mesma. Basicamente foi só uma internalização da formalidade jurídica de exercício do poder. A independência pode ser resumida a isso”, diz o historiador.

Jones entende que a data tem um apelo de massas maior, porque no Brasil se desenvolveu um sentimento patriótico superficial e confuso. Ele argumenta que a unidade nacional brasileira está muito mais ligada às coisas externas da política: o país do futebol, do samba, do carnaval, da alegria, da festa, e das belezas naturais.

“Por existir um certo patriotismo brasileiro, a data da proclamação da independência acaba tendo mais repercussão do que a proclamação da república”, refletiu.

Um grande pacto das elites

A fundação da república foi um evento que também foi um acordão por cima. Teve luta, teve conflito, do mesmo jeito que teve independência, mas no sentido geral, foi uma espécie de acordão por cima“, aponta Jones sobre esse momento histórico, que recordou uma frase de Felicíssimo do Espírito Santo Cardoso, avô do ex-presidente, Fernando Henrique Cardoso.

Na ocasião Felicíssimo teria questionado o porque de se ter fundado a república. “Aqui como dantes continua mandando os caiado”, disse o avô de FCH se referindo ao território que hoje corresponde a Goiás.

“A família caiado já mandava em Goiás, na época da proclamação da república, acho que é muito bem expresso inclusive essa falta de sentido, essa falta de transformação da república na literatura do Lima Barreto, o triste fim de Policarpo Quaresma retrata muito bem a república que foi feita basicamente para classe dominante, guiada pelos interesses naquele momento da oligarquia paulista, centrada no café que naquele momento era o produto mais forte da classe dominante e atendendo a interesses corporativos também dos militares”, conclui Jones.

E o 2 de julho?

Na opinião de Jones Manoel faria mais sentido que o 2 de julho fosse a data da independência, pois tem um caráter muito mais popular, mais heroico, e um caráter de massas.

“Poderia e deveria sim ser a data oficial de independência do Brasil, claro que mudar isso passaria por um debate gigantesco, mas eu acho que do ponto de vista historiográfico, do ponto de vista político, do ponto de vista cultural, faria bastante sentido e na disputa pelo rumo da nacionalidade brasileira seria muito importante, inclusive a festa do 2 de julho na Bahia é lindíssima, espetacular, então defenderia isso, eu se fosse presidente da república, lutaria para colocar o 2 de julho como a data oficial da independência do povo brasileiro”, disse.

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Thayan Mina

Thayan Mina

Thayan Mina, graduando em jornalismo pela UERJ, é músico e sambista.

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