60% dos quilombos enfrentam garimpo e invasões, aponta pesquisa

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O estudo “Corpos-territórios quilombolas e o fio conectado da ancestralidade: entre as agendas de justiça climática e as práticas culturais e comunicacionais”, realizado pelo Instituto Sumaúma, revela que 58,4% dos quilombos no Brasil enfrentam exploração de terras, invasões e garimpo ilegal, uma crise de direitos humanos que agrava severamente os impactos das mudanças climáticas.

Simultaneamente, mais da metade (54,7%) desses territórios já reporta secas extremas e 43,4% sofrem com a perda de suas plantações. A pesquisa, lançada nesta quinta-feira (13), durante a COP 30, em Belém, joga luz sobre como os saberes ancestrais quilombolas são essenciais para a justiça climática e para a proteção dos biomas, mas estão sob ataque direto.

PF desmotra garimpo ilegal em quilombos – Foto: Polícia Federal

A pesquisa mapeou, por meio de entrevistas aprofundadas com lideranças, como as tecnologias ancestrais e a cultura quilombola fortalecem ativamente a luta por justiça climática. O estudo revela, no entanto, que a agenda de sobrevivência e direitos básicos ainda é a pauta mais urgente: o racismo (87%), a demanda por políticas públicas (85%) e educação (77,4%) foram os temas mais citados. Além disso, 64,2% das lideranças quilombolas relatam dificuldades para captar recursos para seus projetos devido ao racismo. 

De acordo com Taís Oliveira, diretora do Instituto Sumaúma, esses dados expõem uma falha crítica no ecossistema de filantropia e de investimentos de impacto no Brasil, que deixa de destinar recursos para quem está na linha de frente da preservação. 

“Os dados provam o que as lideranças denunciam há décadas: o racismo ambiental define quem recebe investimento e quem tem seu território invadido. Não haverá justiça climática enquanto o financiamento climático não adotar lentes antirracistas. Os quilombos não são apenas vítimas das mudanças climáticas, eles são detentores das soluções ancestrais de manejo e proteção que o Brasil precisa”, explica a executiva.

O perfil do comunicador dos quilombos

A pesquisa também traça um perfil detalhado de quem está na linha de frente da comunicação dos quilombos. O estudo revela um protagonismo negro e feminino: 86,8% dos participantes se identificam como pessoas pretas e 58,5% são mulheres cisgênero. É também uma luta majoritariamente jovem, com quase 70% (69,8%) dos respondentes concentrados na faixa de 18 a 39 anos.

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O perfil expõe ainda um dilema social: apesar de ser um grupo com alta escolaridade — mais da metade (52,8%) possui ensino superior completo ou incompleto — a grande maioria (88%) vive com renda familiar mensal entre 1 e 5 salários mínimos. A auto identificação como agente de mudança, no entanto, é alta: 81% se consideram comunicadores e 56,6% se veem como influenciadores quilombolas.

O paradoxo da conectividade: alta adoção digital, baixa infraestrutura

A infraestrutura de comunicação nos territórios se revelou um gargalo crítico. Quase metade dos participantes (49,1%) relata problemas frequentes para usar a internet, e o mesmo percentual (49%) classifica a cobertura de rede móvel (3G, 4G, 5G) como “ruim” ou “péssima”. Apesar disso, a pesquisa revela uma alta resiliência e adoção digital: o celular é usado no dia a dia por 96,2% dos respondentes. As redes sociais (87%) e os aplicativos de mensagem (70%) são as principais ferramentas de comunicação, usadas tanto para a participação em eventos (72%) quanto para a divulgação de serviços e produtos (53%).

Saberes ancestrais como pilar da resiliência climática

O estudo quantificou a força das práticas culturais e ancestrais que sustentam a resiliência quilombola. O engajamento é alto em datas comemorativas (81%) e na contação de histórias (64,2%). Notadamente, as práticas diretamente ligadas à justiça climática e à soberania alimentar são centrais: o plantio e colheita do próprio alimento (73,6%) e as práticas de cura com ervas medicinais (58,5%) foram apontadas como as principais atividades de mobilização cultural, junto com o artesanato (68%).

Organização e financiamento

A pesquisa avalia a estrutura organizacional e revela um paradoxo: as comunidades são altamente articuladas, mas estão, em grande parte, excluídas do ecossistema de financiamento. O estudo mostra que a maioria está organizada — 56,6% possuem CNPJ e 67,9% participam de encontros regionais. No entanto, a fragilidade financeira é crítica: um número alarmante de 34% das comunidades informa não ter nenhuma fonte de renda para financiar suas práticas. O dado que expõe a barreira sistêmica é que mais da metade (52,8%) nunca participou de um edital de financiamento.

“A conta simplesmente não fecha. As comunidades que mais sofrem com os impactos das mudanças climáticas são justamente as que detêm saberes ancestrais e tecnologias sociais para adaptações, mas suas soluções são invisibilizadas. Com esses dados, nossa proposta é pautar diretamente a criação e o fortalecimento de políticas públicas voltadas para justiça climática, e fortalecer o ecossistema de suporte destas comunidades”, finaliza Oliveira.

Já para Juliane Sousa, quilombola jornalista e pesquisadora que atua como consultora convidada na pesquisa, os hábitos culturais e comunicacionais dos povos quilombolas ainda são poucos compreendidos.

“Ainda existe uma imagem equivocada e até estereotipada de que os quilombolas vivem isolados, e essa não é a realidade. Assim como outras populações, nós também temos acesso à internet, frequentamos faculdade e levamos uma vida como qualquer outra. A diferença está na nossa relação com a natureza, que vem de nossas heranças ancestrais e se baseia no cuidado com todas as formas de vida. Para nós, nada disso é novo, é só a maneira como vivemos”, comenta.

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