22 de abril e o mito do descobrimento do Brasil: historiadores alertam para “os perigos da história única”

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Com o intuito de reivindicar uma visão contrária ao mito do descobrimento do Brasil, no dia 22 de abril, historiadores detalham que entender essa data como “descobrimento” serviu de ferramenta no período colonial e imperial. Em entrevista ao Notícia Preta, o professor de história e filosofia formado pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), Jonathan Raymundo, explica que o “descobrimento do Brasil”, representa a narrativa do poder e argumenta “os perigos da história única”.

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Para ele, o mito do descobrimento tem como premissa a ideia falsa de que este lugar era vazio, desabitado, sem história, sem inteligência, sem cultura. Jonathan conta que, ao descobridor se reserva a responsabilidade de criar um país a partir do seu próprio interesse, do zero, num descampado desabitado.

“O descobrir é o senhor da história, o dono da obra, da terra. Nessa perspectiva continuamos um país dependente, sem um projeto autônomo de pais, que nasce da constituição diversa de sua gente. O Brasil começa tirando do horizonte quem estava, em favor de uma só narrativa e, infelizmente, assim se segue“, diz Jonathan.

Coração de Dom Pedro 1 no Brasil /Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil.

Colônia X Império

Romulo Barros é doutor em História pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), e explica que a história feita na colônia foi uma e no império, outra. Diferentes “mitos” (discursos) foram agregados e outros convenientemente esquecidos durante o curso destes três séculos de historiografia.

Romulo diz que quando os portugueses aportaram na Bahia de Todos os Santos em 1500 e, pelo menos, nos trezentos anos posteriores, não havia qualquer intenção de criar um novo país, uma nova nação, ou qualquer ideia semelhante. Segundo ele, apesar da romantização da colonização, essa colonização teve como finalidade última a exploração do local colonizado.

Para este objetivo, Portugal ou seus representantes oficiais aqui, não necessitavam de qualquer esforço no sentido de se criar uma identidade coletiva brasileira, um sentimento de pertencimento a esta terra.

“O mito fundacional que conhecemos e que agora debatemos, não foi oficialmente sistematizado até as vias da independência do Brasil. Oportunidade em que as elites patrocinaram as narrativas que enalteciam as qualidades desbravadoras e civilizadoras dos lusitanos, posto que nosso governante, D. Pedro I, ainda era um príncipe português; mesclaram com aspectos idealizados dos estereótipos de “bons selvagens” para assegurar alguma diferenciação da antiga metrópole colonizadora, pintando a nova nação com alguns tons tropicais e, falando em silenciamentos propositais, pouco mencionaram a existência de uma enorme população negra e sua carga cultural, vista como sinônimo de atraso”, explicou o professor.

Leia também: “Você sabe com quem está falando?”: historiadores debatem herança cultural do mito do “descobrimento”

A historiadora graduada pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Lívia Teodoro, acredita que tanto o Brasil colonial (1500-1822) quanto o período imperial (1822-1889) foram caracterizados por uma exploração econômica, cultural e humana, mantendo-se através do mito fundador do descobrimento português.

Livia coloca que a imposição cultural, a escravização africana e o sistema de capitanias hereditárias foram sustentados por essa narrativa, que também perpetuou a ideia de posse territorial justificada pelo “achamento” do Brasil pelos portugueses, impactando até questões contemporâneas, como a luta pela demarcação de terras indígenas.

“Além disso, o período imperial foi marcado por uma significativa centralização política, sob os reinados de Dom Pedro I e Dom Pedro II, com tentativas de diversificação econômica e modernização do país. Contudo, a estrutura de poder continuou favorecendo elites agrárias e mantendo a exploração de recursos naturais e de humanos, especialmente através do sistema escravocrata. A influência da culpa cristã introduzida pelos colonizadores também contribuiu para a manutenção do colonialismo, legitimando a dominação europeia sobre os povos nativos e africanos. Esses aspectos combinados alimentaram a continuidade do mito do descobrimento e suas consequências ao longo dos séculos”, explica Livia.

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Thayan Mina

Thayan Mina

Thayan Mina, graduando em jornalismo pela UERJ, é músico e sambista.

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