Você vê a criança negra como negra na escola?

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Por Lavini Castro*

A grande questão que está em jogo é como sensibilizamos nosso olhar para nossos alunos negros.

A escola têm contribuído para uma visão positiva ou negativa da identidade negra?

O simples fato de não atuar, apresentar neutralidade, ou afirmar uma suposta igualdade não tem auxiliado numa reflexão crítica sobre a realidade dos negros na sociedade diante dos ditames hegemônicos sócio culturais da branquitude.

Outrossim, temos andado fascinados pela diversidade, mas não temos praticado a verdadeira realidade da pluralidade nas escolas, digo isso com base nos estudos culturais apresentados por Stuart Hall em que nosso fascínio pela pluralidade tem construído muito mais um olhar exótico, folclorizado, superficial, romantizado e estereotipado daquilo que se interpreta como cultura popular do que, de fato, uma exaltação da diversidade cultural.

Lavini Castro é educadora antirracista e mestre em Relações Étnico Raciais / Foto: Pexels

Exatamente como tem ocorrido em muitas escolas, trabalhos pedagógicos em que nossas crianças continuam sendo “fantasiadas” de “índios”, nossos murais trazem frases romantizadas como “SOMOS TODOS IGUAIS”,  ou absurdos como “Precisamos falar da consciência humana” em plena comemoração da consciência negra no calendário escolar do 20 de novembro.

A professora que promove a ação de fantasiar a criança de indígena está apresentando qual perspectiva para a criança, para sua família e para a sociedade?

Ela mantém uma visão folclorizada sobre a história e cultura indígena, pois naturaliza uma apropriação fantasiosa de como diversos grupos raciais são naquela imagem congelada do indígena pintado no rosto.

Eis que então a professora cria um estereótipo e romantiza a situação do indígena.

A ação pedagógica que afirma que “nessa escola somos todos iguais” ou “aqui não fazemos diferenças/não há diferenças” fecha a possibilidade para trabalhar a desigualdade que existe na sociedade, mascarando um grande problema social, além de não permitir que se fale das desigualdades étnico culturais congelando todos numa suposta identidade nacional que, na realidade, foi construída historicamente para exaltar os valores e aspectos da branquitude.
Nesse sentido, deixa passar um excelente trabalho de valorização da convivência com a diversidade e tolerância com a diferença.

Sim! Digo tolerância porque aprendi que o lugar do respeito é muito subjetivo, mas o lugar da tolerância é social, ou seja, eu posso não respeitar, mas sou obrigado a tolerar diante dos contratos sociais firmados a respeito dos direitos a todos.

Ao fazer um mural belíssimo e demarcar um título “Precisamos falar de consciência humana” no calendário que é de consciência negra, retiramos a possibilidade de refletir sobre o racismo, sobre as tensões raciais ocorridas no cotidiano das relações e mais uma vez aparece aqui a ideia de igualdade universal, própria do discurso da democracia racial.

Ao colocar que todos somos humanos, sem praticar a humanidade de todos os grupos raciais, enganamos na prática a possibilidade de, de fato, exercermos nossos direitos de existir da maneira como somos, ou seja, que somos diferentes, e que nossas diferenças são marginalizadas, silenciadas a todo tempo.

É o mesmo que falar que “vidas humanas importam”  tirando a visibilidade da resistência e luta dos negros de cobrarem das autoridades competentes o seu direito de existir, de viver.

Então precisamos sensibilizar nosso olhar, mas precisaremos de todos os sentidos sensibilizados para o trabalho antirracista: o olhar, o ouvir, o sentir a pessoa negra na sala de aula, sem essa de caridade, ok. Para mais uma vez, não cairmos no risco da “missão civilizadora”, um fetiche branco da salvação alheia.

O olhar exótico, folclorizado, superficial, romantizado, estereotipado, promove uma visão pejorativa da pessoa negra, e silencia e apaga a presença da diversidade enquanto um valor da humanidade. da mesma forma quando as escola brasileiras promovem essa visão de uma sociedade homogênea e da igualdade universal.

Conforme nos conta Hall (2018) quando afirma “a diferença que não faz diferença alguma”, pois é uma diferença que existe por permissão, geralmente trabalhada às pressas, nos trabalhos escolares para fazer bonito na escola e tirar “aquela foto” de registro de que “nessa escola aplicamos a Lei 10.639/2003”.

Não!  Você não aplicou a lei. Você enganou que aplicou!
Porque de forma superficial, você criou moral e não provocou transformação e reflexão.

Ao provocar a sensibilização de um olhar diferenciado para as crianças e juventude negras, possibilitamos maior engajamento para a promoção de espaço de conscientização e construção de identidades. E ainda  fomentamos o entendimento da importância do compromisso antirracista para muito além do professor, mas de toda a comunidade escolar.

Portanto, uma educação sob a perspectiva antirracista tem o potencial de transformar profundamente a forma como as crianças veem o mundo e interagem com ele. Ao abordar temas como racismo, discriminação e desigualdade de forma clara e acessível, essa abordagem educativa promove:

  • Consciência crítica: As crianças aprendem a questionar as normas sociais e os estereótipos, desenvolvendo um olhar mais crítico sobre o mundo ao seu redor.
  • Empatia e respeito: Ao aprenderem sobre as diferentes experiências e histórias de vida, as crianças desenvolvem empatia e respeito pelas diferenças, valorizando a diversidade cultural.
  • Equidade: A educação antirracista busca promover a equidade, ensinando as crianças a reconhecer e desafiar as desigualdades existentes na sociedade.
  • Cidadania ativa: As crianças são incentivadas a se tornarem cidadãos ativos, capazes de promover a justiça social e a igualdade para todos.

Como a educação antirracista pode mudar o olhar da criança sobre o mundo:

  • Desconstrução de estereótipos: Ao desconstruir estereótipos raciais, a educação antirracista ajuda as crianças a perceber que todas as pessoas são únicas e possuem valor.
  • Valorização da diversidade: As crianças aprendem a valorizar a diversidade cultural, étnica e racial, reconhecendo a riqueza que essa diversidade traz para a sociedade.
  • Compreensão da história: A educação antirracista aborda a história do racismo no Brasil e no mundo, ajudando as crianças a entender as raízes das desigualdades sociais.
  • Promoção da inclusão: As crianças aprendem a importância da inclusão e da construção de um mundo mais justo e igualitário para todos.

Exemplos de como aplicar a educação antirracista no dia a dia:

  • Literatura infantil: Escolher livros que retratem a diversidade racial e cultural, com personagens de diferentes etnias e origens.
  • Brincadeiras e jogos: Promover brincadeiras e jogos que valorizem a cooperação e o respeito às diferenças.
  • Discussões em sala de aula: Criar um ambiente seguro para que as crianças possam discutir temas relacionados ao racismo e à diversidade.
  • Visitas a museus e centros culturais: Organizar visitas a museus e centros culturais que abordam a história e a cultura afro-brasileira e indígena.

Em resumo, a educação antirracista é fundamental para formar cidadãos mais justos, empáticos e conscientes. Ao iniciar a educação antirracista desde a infância, estamos construindo um futuro mais igualitário e inclusivo para todos.

Esse texto é para te mostrar como é imprescindível falar desse racismo enrustido, camuflado, mascarado que nossas crianças negras sofrem. Infelizmente precisamos reconhecer que atitudes racistas têm se tornado cada vez mais reveladas.

Precisamos voltar nossa atenção para o aprendizado sobre como ter um olhar sensível para nossos alunos negros. Para não deixarmos passar aquelas situações de tensão provocada pelas relações raciais bem como para nos ferramentarmos com conceitos e argumentos que nos deem segurança no agir da educação antirracista.

Pense nisso!!!

**Lavini Castro é educadora antirracista, mestre em Relações Étnico Raciais, professora, escritora e palestrante, coordenadora da Rede de Professores Antirracistas e doutorada em história comparada.

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