Vale ignora indígenas e quilombolas atingidos pelo rompimento da barragem em Brumadinho

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O povo indígena Kaxixó e as comunidades quilombolas de Pontinha e Saco Barreiro, em Minas Gerais, perderam seus modos de vida e de subsistência desde o rompimento da barragem Mina Córrego do Feijão, da empresa Vale S.A, em Brumadinho. Contudo, até o momento, as comunidade não foram incluídas nas medidas de reparação integral dos danos ambientais e sociais causados pelo rompimento em 2019.

Moradia no Quilombo da Pontinha – Foto: Reprodução

A lama de rejeitos com a presença de metais pesados chegou as águas do Rio Paraopeba até a região da hidrelétrica de Três Marias, atingindo até o litoral do Espírito Santo. Nesta semana, em que completam 31 meses desde o rompimento, dez pessoas continuam desaparecidas e 270 pessoas morreram. As comunidades que viviam diretamente da agricultura e da pesca tiveram todo o modo de vida e subsistência alterados.

Um dos líderes do quilombo da Pontinha, comunidade as margens do Rio Paraopeba e que o território está entre os municípios de Paraopeba e Papagaios, Renato Moreira, conta que a contaminação da água dos rios gerou empobrecimento, perda de segurança alimentar, perdas culturais e êxodo na comunidade. As famílias da comunidade de Pontinha viviam em grande parte da cultura do minhocuçu, espécie de minhoca muito utilizada pelos pescadores que viviam e visitavam a região.

Mais do que atividade econômica, a retirada do minhocuçu era algo cultural para os quilombolas, passada de mãe para filho. “É um fator cultural, é uma troca de experiencias, é um carinho, é um contato. Então, muita energia era transferida nesses momentos”, como conta Moreira, que se lembra com tristeza das épocas em que o rio era a subsistência da comunidade, até antes do rompimento da barragem Mina Córrego do Feijão, da empresa Vale S.A. em Brumadinho. “Tínhamos dois momentos de muita fartura: quando dava a cheia e vinha a arribação, os peixes subiam e as pessoas se beneficiavam desse peixes, e tem a outra época que é a seca. As pessoas faziam ração, batiam balaio. Todas as épocas tinha carne de peixe na mesa da comunidade. Hoje como se arrisca a comer desses peixes, né?”, lamenta.

Situação semelhante tem sido vivida pela comunidade quilombola de Saco Barreiro e pelo povo Kaxixó, desde o rompimento da barragem de rejeitos em Brumadinho, como conta Gabrielle Luz, advogada popular supervisora de populações vulnerabilidades na coordenação de Direito das Pessoas Atingidas do Instituto Guaycui “É perceptível que uma situação que já era frágil, porque já são populações vulnerabilizadas, invisibilizadas, fica ainda mais frágil e mais vunerável”.

Fotos de moradia da comunidade Kaxixó – Foto: Instituto Gauicuy. 

De acordo com Luz, que integra o instituto que tem ouvido essas comunidades no caso de Saco Barreiro, a produção de alimentos de 42 famílias e a troca de alimentos com outras comunidades, que além de ser um costume tradicional, servia como geração de renda para os quilombolas, foi interrompido. “Eles pararam de vender os produtos na feira livre, alguns quilombolas tiveram que ir para a cidade, perderam a fonte de renda”, conta a advogada que ainda observa. “Eles não tem mais água saudável para poder beber, para poder plantar, para os animais…”, reintera.

Em relação ao povo Kaxixó, para quem o Rio Pará é sagrado, a lama não atingiu diretamente as águas, mas as obras da Vale chegaram. Depois do comprometimento das água do Paraopeba, foram realizadas obras para captação de água diretamente do Rio Pará, sem que a comunidade indígena fosse ouvida. Luz narra os relatos que ouviu da comunidade. “A vazão do rio abaixou muito, a ponto de eles não puderem colocar mais a canoa para navegar, a quantidade de peixe diminuiu, muitas pessoas que pescavam no Rio Paraopeba foram para o Rio Pará. Então descaracterizou toda a vida da comunidade indígena”, finaliza a advogada.

Grilagem de terras e violência

A ausência de possibilidade de subsistência dentro das comunidades tem gerado a necessidade de que os jovens e adultos saiam do território em busca de emprego o que segundo relatos tem gerado uma onda de violência para as comunidades. “A comunidade precisa se sustentar, tem que desdobrar no trabalho, tem que perder a juventude para as capitais  e perde-se ali também a cultura. Hoje não tem lazer porque o lazer era acessar a prainha do rio, pescar no rio velho”, conta Renato.

O quilombola também observa que fazendeiros do entorno da comunidade teriam recebido da Vale auxílio para suas plantações. “Os fazendeiros e os grileiros que estão na beira do rio se fortalecem cada dia mais. Porque eles continuam produzindo. E a Vale dá subsídio para isso acontecer com o fornecimento de dinheiro, ração, fura poços”, o que segundo Renato tem ameaçado o território de Pontinha: “Então eles já tinham dinheiro, agora eles tem mais. Os invasores se tornaram mais fortes”.

O direito à regularização fundiária das terras quilombolas, que garante a essas comunidades o título de propriedade dos territórios que ocupam, é garantido por lei, no Brasil, desde a promulgação da Constituição Federal de 1988.  Contudo, desde o início do atual governo federal apenas três comunidades no país tiveram esses direito reconhecido.

Todas essas práticas em conjunto são caracterizadas pela advogada do instituto Gaicuy como racismo ambiental e estrutural “as violências acabam se confundido”, observa Luz que encerra: “Então perdeu a vida, a forma de vida, perdeu a cidade. Porque muitas pessoas tiveram que sair para trabalhar em outra cidade. Mas aí você vai trabalhar com o que? Se você trabalhou com a terra a vida inteira?”.

Em nota a Vale S.A.  informou que reafirma o compromisso de reparar os danos causados pelo rompimento da barragem em Brumadinho a todos os atingidos. Leia abaixo a nota na íntegra:

 “A Vale reafirma o seu compromisso de reparar integralmente os danos causados pelo rompimento da barragem de Brumadinho. Nesse sentido, o Acordo Judicial de Reparação Integral, celebrado com o Estado de Minas Gerais, a Defensoria Pública do Estado de Minas Gerais e os Ministérios Públicos Federal e do Estado de Minas Gerais contempla projetos específicos para comunidades tradicionais impactadas direta ou indiretamente pela interrupção na captação do rio Paraopeba. A definição das ações a serem implementadas será realizada com transparência, legitimidade e segurança jurídica”.

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