Um pequeno santuário dedicado à história, memória e religiosidade africana em meio ao vilarejo voltado à cultura alemã está cheio de sujeira e servindo de depósito. O Centro de Cultura Afro-Brasileira de Lajeado (RS) está de portas fechadas e sem assoalho. A casa, de arquitetura germânica, sediou durante mais de uma década as atividades voltadas para a cultura afro no município.
Construída por Peter Welter em 1910, no Bairro São Bento, a casa foi movida para o Parque em 1999. Hoje, a construção serve de depósito para relíquias culturais que outrora estiveram à disposição para a visitação do público. Insetos e teias de aranha ocuparam o lugar. Os figurinos utilizados nas apresentações temáticas estão sujos e jogados entre ventiladores, computadores e objetos de arte.
Segundo o presidente do Centro, Recioli dos Santos, a decadência teve início a partir da penúltima edição da Feira do Livro realizada no Parque. “Eu avisei que o assoalho estava ruindo e que não estava em condições de receber visitantes. Mas mesmo assim, insistiram para usar o espaço. Uma senhora entrou na casa, as tábuas cederam e ela caiu. Desde aquele dia, o Centro está fechado”, contou o presidente ao jornal Informativo do Vale.
Após o fechamento vieram os furtos. Algumas peças foram removidas e guardadas na casa do o presidente. Na semana passada, Recioli a prefeitura pediu a devolução da casa, alegando que o espaço estaria gastando a energia elétrica do município. “A casa é nossa e gostaríamos que ela estivesse aberta como as outras. É a nossa história”, diz o presidente.
Saberes sabores sinergia e sânscritos são as palavras que direcionam as atividades do espaço cultural: “Esses são os quatro S em que pautamos nosso trabalho na caminhada de ascender, preservar, homenagear e difundir o que herdamos de nossos ancestrais”, diz o Presidente. Das poucas peças que restaram Recioli guarda com carinho e respeito os objetos sagrados que ficam em uma arca vermelha: “Esse aqui é um orixá. São eles que protegem a casa, só não sei até quando”, acrescenta. A arca também comporta artigos raros como a arigona – instrumento de percussão – vinda do Quênia. Ao se deparar com a tela com a figura de uma mulher negra representada em alto-relevo, o presidente se emociona. “É muito triste ver isso tudo assim. Esse quadro me lembrou do meu avô, que foi vendido em um leilão de escravos lá em Caçapava. Junto com ele, venderam minha tia avó, aos 13 anos, porque pensavam que ela seria uma boa parideira. A história do nosso povo está gravada na nossa mente, no coração e no corpo.”
A Prefeitura
Em nota, a prefeitura admite que a casa do Centro de Cultura Afro está com sérios problemas no assoalho, que o termo de cessão de uso está vencido e, segundo o município, após contatos com Recioli dos Santos, não houve manifestação formal por meio de protocolo para solicitar renovação de cessão da casa. A prefeitura diz ainda que “a entidade não tem feito uso da casa para eventos, reuniões, encontros, mas tão somente como depósito, tendo alguns bens no local, como um freezer.” O município diz não o fechamento da casa e que estaria fazendo um planejamento e definindo prioridades. Afirma, também, que nada impede, por meio de diálogo e projetos, que se reutilize a casa que era usada pelo Centro de Cultura Afro. “Estamos à disposição da entidade para que formalize seu interesse na manutenção da cessão de uso. Se isso ocorrer, o próximo passo é verificar o que é preciso fazer na casa para que se possa fazer um orçamento e viabilizar em conjunto com a entidade a melhoria da manutenção.”