No ano em que os olhos do mundo estarão voltados para a Amazônia, mais especificamente para Belém, cidade-sede da Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas de 2025 (COP 30), na última quarta-feira (23), foi lançada uma edição especial da Revista PLATÔ, intitulada Intersecção: Uso da Terra, Política de Drogas e Justiça Climática.
A publicação reúne 17 artigos de especialistas de diversas áreas do conhecimento, para provocar e embasar o debate sobre uso da terra e justiça climática considerando as dinâmicas decorrentes das atuais políticas de drogas no Brasil. Fruto de parceria entre a Iniciativa Negra, a Plataforma Brasileira de Política de Drogas e a International Coalition on Drug Policy Reform and Environmental Justice, a revista é reflexo de um movimento coletivo que aponta soluções integradas como estratégia para enfrentar duas crises conectadas que comprometem a governança territorial no país: a emergência climática e a violência decorrente da guerra às drogas.

Ao abordar essa associação ainda pouco explorada nos debates políticos brasileiros, a edição especial da Revista PLATÔ convida o leitor a refletir sobre questões complexas como grilagem, narcotráfico, violações de direitos, devastação da biodiversidade, proibicionismo, redução de danos e saúde, racismo ambiental entre outros. Os artigos apresentam visões plurais de historiadores, sociólogos, advogados, jornalistas, biólogos, neurocientistas, pesquisadores, lideranças indígenas, camponesas e quilombolas e ativistas de direitos humanos de diversas regiões do país.
Rebeca Lerer, ativista, coordenadora latino-americana da International Coalition on Drug Policy Reform and Environmental Justice, e curadora da Platô Intersecção, considera que “não haverá justiça climática enquanto persistir o modelo de guerra às drogas”.
Ela avalia que as atuais políticas proibicionistas, que criminalizam a produção e mercado de plantas como a coca e a maconha, corrompem as instituições e capitalizam as organizações criminosas. “O Brasil é um elo chave na cadeia produtiva, de consumo e distribuição da cocaína com origem andina e da maconha cultivada no Paraguai e outros países sul americanos. O dinheiro mobilizado por essas commodities ilegais distorce a macroeconomia, financia a grilagem e crimes ambientais e bloqueia medidas de adaptação climática em todo o território nacional”, aponta. “Sem romper esse ciclo, não será possível zerar o desmatamento nem garantir direitos territoriais, fundamentais para controlar a crise climática“.
“Reunimos um grupo de especialistas de diversas áreas, em um movimento que valoriza a inteligência coletiva da sociedade civil brasileira, para nortear o debate da justiça climática considerando os diversos contextos de vida e de sobrevivência nas diferentes regiões do Brasil. A ideia é, a partir daí, pensar o futuro de forma mais integrada e realista. Temos uma política de drogas pautada no proibicionismo, que alimenta o narcotráfico e a violência nos territórios. E vemos que o racismo é um fator comum também quando falamos sobre o uso da terra e a queda de braço pela manutenção do poder da branquitude sobre essas propriedades. Não dá pra fazer justiça climática sem considerar essas dissonâncias e a perpetuação do racismo nas tomadas de decisão sobre esses temas”, reforça a socióloga, diretora geral, cofundadora da Iniciativa Negra, e correalizadora do projeto, Nathália Oliveira.
A revista impressa foi divulgada na última quinta-feira (24), em evento presencial no Bloco do Beco, espaço de arte-educação e cultura na Zona Sul, periferia de São Paulo. Nos próximos meses, estão previstos eventos e encontros presenciais em Brasília, Belém, Salvador e Rio de Janeiro. É possível acompanhar a agenda de eventos e mais informações do projeto no site e nas redes sociais da Iniciativa Negra.
Acesse a revista aqui.
Edição especial da Revista PLATÔ
Na revista, as complexidades e sobreposições dos temas abordados pelo projeto são explorados em textos que discutem os seguintes itens: impactos da proibição das cadeias produtivas de drogas à base de plantas; megaprojetos de exploração e uso da terra que afetam comunidades tradicionais e ribeirinhas; saúde e redução de danos no contexto antiproibicionista; a guerra às drogas e suas ameaças aos territórios e à população negra; o controle de fronteiras e suas consequências para as rotas de violência e desmatamento; a guerra química no campo, entre outros pontos sensíveis da discussão.
Entre os nomes que assinam os artigos estão Renato Filev, neurocientista e coordenador científico da Plataforma Brasileira de Política de Drogas, Dandara Rudsan, especialista em Gestão de Conflitos Socioambientais e assessora de Projetos na Iniciativa Negra, Mariana Belmont, jornalista e assessora de Clima e Racismo Ambiental do Geledés – Instituto da Mulher Negra, além de Pablo Nunes, doutor em ciência política e coordenador do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC), Dudu Ribeiro, historiador, cofundador e diretor executivo da Iniciativa Negra, Juliana Borges escritora, coordenadora de Projetos Estratégicos da Iniciativa Negra, Luana Malheiro, atropóloga especialista em saúde coletiva e membra fundadora da Rede Nacional de Feministas Antiproibicionistas (Renfa), Letícia Benavalli, bióloga e fundadora e diretora executiva do Instituto Pró-Onça, Adriana Ramos, especialista em política ambiental e membro da Secretaria Executiva do Instituto Socioambiental (Isa) e da coordenação do Observatório do Clima, Helena Fonseca Rodrigues, psicóloga, membro da secretaria executiva da Plataforma Brasileira de Política de Drogas e assessora técnica do Observatório de Territórios Sustentáveis e Saudáveis da Bocaina, Paula Callegario de Souza, bióloga e pesquisadora do Programa Observatório de Territórios Sustentáveis e Saudáveis da Bocaina, Aristênio Gomes dos Santos, cofundador e coordenador da Organização Movimentos e pesquisador em Segurança Pública da Redes da Maré, Daniela Dias de Souza, líder do programa de áreas protegidas e conservação da biodiversidade na SOS Amazônia e membro da Drug Policy Reform & Environmental Justice International Coalition, Walela Soeikigh Paiter Bandeira Suruí, indígena do Povo Paiter Suruí, coordenadora do Movimento da Juventude Indígena de Rondônia, Observatório do Marajó, Diogo Diniz Ribeiro Cabral advogado e assessor jurídico da Federação dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares do Estado do Maranhão-Fetaema, do Movimento Xingu Vivo e do Tuxa Ta Pame, Midiã Noelle é jornalista, mestra em Cultura e diretora-fundadora do Instituto Commbne, Erika Santos, advogada e diretora da Rede Jurídica pela Reforma da Política de Drogas (Reforma) e Luan Silva Melo, arquiteto e urbanista, fundador e coordenador da Rede de Assessoria Técnica Popular do Nordeste, e Coalizão Internacional para a Reforma da Política de Drogas e Justiça Ambiental.
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