Fonte: Amazônia Real
Primeiro território quilombola urbano da Amazônia Legal, o Quilombo do Barranco de São Benedito sobrevive em meio à voracidade do avanço urbano de Manaus. Considerado um dos mais importantes redutos das tradições que guardam a memória do povo negro da capital amazonense, ele está localizado no bairro da Praça 14, na zona centro-sul. Ao longo dos últimos anos, teve sua área invadida e modificada pelo comércio local e por projetos de urbanização que conseguiram, a um só tempo, desfigurar suas características e passar por cima dos espaços de comunhão.
Foi-se o tempo em que os bairros da Praça 14 e Cachoeirinha, que fica ao seu lado, eram “um mato só”, como lembram os mais antigos moradores e registros históricos. Hoje, quem passa pelas redondezas, encontra pontos comerciais para onde quer que se mire. É nesse cenário que os remanescentes quilombolas interagem com a comunidade e preservam a memória familiar dos seus antepassados.
“A Praça 14 transformou-se em um bairro comercial do ramo de autopeças e venda de automóveis”, resume Jamily Silva, vice-presidente da Associação Crioulas do Barranco de São Benedito. Esse crescimento comercial descontrolado obrigou vários moradores do bairro a venderem suas casas para comerciantes e lojistas, ávidos por terem um espaço de referência para sua atividade na capital manauara. Terrenos comunitários também foram vendidos para a iniciativa privada sem consulta aos moradores.
Quilombo do Barranco de São Benedito. Foto: Alberto César Araújo/Amazônia Real
O Quilombo do Barranco de São Benedito nasceu com a reunião da família de Maria Severa Nascimento Fonseca, uma mulher escravizada que migrou do Maranhão para Manaus no final do século XIX. Hoje, seus descendentes estão divididos em 145 famílias. Jamily Silva é tataraneta de Maria Severa.
As comunidades quilombolas só passaram a ser reconhecidas por suas tradições, embora tardiamente, a partir do primeiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), em novembro de 2003 com o Decreto 4.887. Antes de ser oficializado pela Fundação Palmares, e certificado pelo Ministério Público Federal (MPF), em 2014 como Quilombo do Barranco de São Benedito, o local era chamado de “Comunidade Negra de São Benedito”. Para Jamily Silva, o decreto “ocorreu muito tarde para se combater essa invasão comercial ao redor de onde hoje é uma comunidade quilombola”.
Mas a pressão contra os remanescentes quilombolas vem de muito antes. Segundo conta Jamily Silva, a comunidade possuía um terreiro de umbanda onde ocorriam celebrações tradicionais em honra à Nossa Senhora da Conceição, derrubado logo no início do projeto de urbanização da região executado, entre 1963 e 1964, pelo então governador do Amazonas, Plínio Ramos Coelho, para dar lugar à lojas comerciais.
Vista aérea da Praça 14 no início da urbanização. Foto: Acervo Hamilton Salgado
“A mudança foi drástica. O que era uma grande área de preservação dos costumes negros, trazidos do Maranhão, foi rasgada ao meio pelo projeto de urbanização do bairro da Praça 14, no governo de Plínio Ramos Coelho, na década 1960. Nesse processo de urbanização, vários empresários vindos também do Nordeste, compraram terrenos e foram abrindo suas lojas comerciais”, explica.
Em 2014, ano do reconhecimento do primeiro quilombo urbano da Amazônia Legal, a comunidade decidiu, corajosamente, não ter um único título de terra de acordo com a regularização fundiária. Em uma reunião, na qual estiveram presentes representantes do Incra (Instituto Nacional da Colonização e Reforma Agrária) e do MPF, eles optaram por uma solução coletiva, o que evitava conflitos com os lojistas que se estabeleceram na região. “Teríamos que expulsar os comerciantes da comunidade, e alguns moradores do quilombo, pais de família, são funcionários desses comércios”, afirma Jamily.
Pressão do comércio no Quilombo na Praça 14. Foto: Alberto César Araújo/Amazônia Real
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