Por: Jéssica Silva de Oliveira
Advogada Civilista
Dificilmente você vai encontrar alguma pessoa preta que não goste da série “Todo mundo odeia o Chris”. A série conta a história do comediante Chris Rock e sua família, entre os anos de 1982 e 1987, a partir da chegada da família em Bedford-Stuyvesant, no Brooklyn.
No episódio “Todo mundo odeia Gretzky”, Chris e seu irmão mais novo, Drew, são abordados em um trem por dois torcedores brancos de hóquei que, ao tentarem roubar a camisa do Drew, do jogador de hóquei no gelo Wayne Gretzky, desistem quando descobrem que o nome do jogador está escrito errado.
O interessante nesse episódio é o motivo da abordagem dos torcedores brancos: o fato do Drew, um menino negro, ser fã de hóquei no gelo, um esporte (até hoje) majoritariamente branco. Logo no início do diálogo, os torcedores brancos indagam: “Vocês já não têm esportes demais: basquete, futebol, beisebol, boxe, atletismo… Vocês querem ficar com hóquei também, né?”.
Agora corta para 13 de julho de 2020. Dia Mundial do Rock. Estilo musical majoritariamente branco. Eu que sempre fui a única preta nas baladinhas rock, que só tocavam artistas brancos, sinto um quentinho no coração quando vejo esse movimento de resgate de artistas como Sister Rosetta Tharpe, Little Richard, Chuck Berry e outros grandes artista negros de rhythm and blues, os verdadeiros pioneiros do estilo musical.
Porém, assim como os torcedores brancos de hóquei que indagaram Chris e Drew por gostarem de hóquei (na verdade só o Drew gostava), ao ver esse movimento de resgate de artistas negros pioneiros do rock, não é raro, pelo menos aqui no Brasil, pessoas brancas indagando se já não é suficiente termos o samba, o rap e o funk, como gêneros musicais essencialmente negros.
Observe que os estereótipos que alicerçam a imagem do negro perante a sociedade estão presentes, inclusive, na predileção por um estilo musical, de maneira que alguns gêneros são tidos como superiores por não estarem (de imediato) relacionados com a cultura negra.
O apagamento da contribuição de artistas negros no que se transformou no rock que conhecemos hoje é uma das facetas da subvalorização de tudo que se refere a cultura negra, sendo essa a razão do incômodo quando se reivindica as origens do gênero.
É como se o rock fosse o quadro “A Redenção de Cam”: um produto do embranquecimento gradual de um gênero com raízes negras. Mas não se deixe enganar.
É como canta Baco Exu do Blues: “O samba é blues, o rock é blues, o jazz é blues / O funk é blues, o soul é blues, eu sou Exu do Blues / Tudo que quando era preto era do demônio / E depois virou branco e foi aceito, eu vou chamar de blues.”.