Entrar em uma loja de luxo deveria ser consequência de experiência exclusiva, mas para 90% dos clientes negros das classes A e B no Brasil, essa vivência vem acompanhada de racismo. O levantamento, realizado pela L’Oréal em parceria com o Estúdio Nina, escancara como o preconceito está presente em um dos segmentos mais sofisticados do varejo: desde olhares de desconfiança e atendimento frio até ações explícitas, como revistas e lacração de bolsas, práticas que transformam o consumo em um ato de resistência.
Uma pesquisa intitulada “Racismo no Varejo de Beleza de Luxo” , reuniu 350 consumidores negros em todo o país e revelou que o problema é tão comum que 70% deles sentem desconforto constante nesses espaços. Além disso, 18% afirmam já ter sido seguidos ou tratados como suspeitos enquanto tentavam apenas comprar um produto de alto padrão.
Racismo estrutural nos detalhes
Ana Carla Carneiro, cofundadora do Estúdio Nina, explica que o objetivo do levantamento foi identificar como o racismo se manifesta nas interações entre marcas de luxo e o público negro. Ela ressalta que as discriminações vão desde olhares sutis e atitudes de descaso no atendimento até ações explícitas de exclusão.
“Esses dispositivos de racismo aparecem de várias formas. Muitas vezes, os vendedores demonstram desconhecimento ou desinteresse por produtos que atendam às especificidades das peles negras, ou ainda agem de forma que reforça a sensação de que o cliente negro não pertence àquele espaço“, afirma Ana Carla em entrevista ao jornal O Globo.
LEIA TAMBÉM: Venda de apartamentos de luxo em São Paulo bate recorde, enquanto número de moradores de rua na capital cresce
Consequências para as marcas de luxo e consumidores
Os números mostram que o racismo afeta não apenas a experiência do consumidor, mas também as vendas das lojas. Quando confrontados com situações de discriminação, 52% dos clientes negros desistem da compra no local, 54% não voltam ao estabelecimento, e 29% preferem comprar online para evitar novas exposições a esse tipo de tratamento.
Ana Carla ainda destaca que, ao ignorar o público negro, as marcas perdem a oportunidade de dialogar com uma parcela significativa das classes A e B no Brasil, que hoje são compostas por 37% de pessoas negras.
“O consumidor negro é culturalmente bilíngue, transitando entre os códigos do universo branco e do universo negro. Se as marcas e lojas se esforçarem para compreender essa riqueza cultural, poderão enriquecer sua imagem e ampliar suas possibilidades de conexão com esses consumidores“, provoca Ana Carla.
Clima de exclusão e dispositivos de racismo
A pesquisa identificou 21 formas de discriminação em ambientes de luxo. Entre os participantes, 56% relataram sentir que não pertenciam ao espaço, 58% foram abordados com informações sobre o preço dos produtos antes de qualquer outro detalhe, e 57% perceberam dúvidas sobre sua capacidade financeira.
Outro dado preocupante é o tratamento invasivo: 74% dos entrevistados afirmaram se sentir excessivamente observados pelos funcionários, enquanto 47% relataram serem confundidos com trabalhadores do local, em vez de clientes.
A pesquisa é mais um chamado para que o setor de luxo no Brasil enfrente o racismo estrutural em suas práticas. É urgente que as marcas deixem de tratar a inclusão como algo superficial e adotem uma postura antirracista em suas estratégias e atendimentos.