As favelas do Complexo da Maré, na Zona Norte do Rio de Janeiro, tiveram o dobro de letalidade por Covid-19 que toda a cidade do Rio de Janeiro durante o primeiro ano de pandemia. A informação é do projeto Vacina Maré e do projeto Conexão Saúde: De olho na Covid-19.
A estudante Maria Delurde Xavier, de 21 anos, é moradora da comunidade Nova Holanda, no complexo da Maré, e confessa ter sentido dificuldade com o isolamento, já que a necessidade de trabalhar colocava em risco os outros moradores que fazem parte do grupo de risco.
Apesar disso, a estudante diz não ter contraído a doença, mas conta ter visto de perto o impacto dos projetos ao seu redor. “A taxa de mortalidade e fome na maré seria maior, já que os projetos disponibilizaram a alimentação, asseio, testagem rápida e vacinação. Na comunidade, o apoio desses projetos foram essenciais, pois levou as principais informações para os moradores e pessoas que não tinham acesso às informações básicas de saúde”, explica a moradora.
De acordo com o virologista Thiago Moreno, que participou do estudo, as comunidades da Maré acumularam 93 mortes por Covid-19 até julho de 2020. Isso representa uma letalidade de 15% com relação aos 592 casos confirmados na época.
Composta por 16 favelas, com aproximadamente 140 mil habitantes em cinco quilômetros quadrados, a qualidade de vida nas comunidades é um desafio no enfrentamento de doenças, ainda mais as altamente transmissíveis. Thiago Moreno aponta a alta densidade demográfica e a baixa renda, que dificultam o isolamento domiciliar, como um dos motivos para o alto nível de contaminação e de mortalidade de Covid-19 na comunidade.
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A campanha Vacina Maré também teve seus dados apresentados. Com a vacinação em massa, promovida pela campanha, as taxas de imunização obtidas foram maiores que a média da capital fluminense, o que viabilizou a atuação de estudos sobre a eficácia das vacinas.
Após a intervenção do projeto que reuniu ativistas da ONG Redes da Maré e pesquisadores da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), em setembro de 2020, os números começaram a apresentar uma mudança considerável, até abril de 2021. O número de casos notificados foi 124% maior nesse período, além da queda do número de óbitos em 27%.
Como funcionaram os projetos
Para colaborar no combate à Covid-19 o projeto Conexão Saúde, além de se comprometer com a vigilância dos números de casos e óbitos, também promoveu a assistência para o cumprimento do isolamento social por parte da comunidade.
Foram doadas refeições e itens de higiene e limpeza para 747 famílias cumprirem a quarentena, não se infectarem ou transmitirem a doença, e sem terem a segurança alimentar comprometida.
Além disso, também foram feitas campanhas de conscientização e instruções acerca das prevenções necessárias para evitar a contaminação. A pesquisadora Amanda Batista, da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), participou do projeto Conexão Saúde, defende a inclusão da comunidade na elaboração de políticas públicas, principalmente ligadas à saúde, para que junto das autoridades, encontrem as melhores soluções para cada caso.
“Cada local tem sua peculiaridade. Uma mesma política de saúde não funciona da mesma forma para todos os lugares”, alerta a pesquisadora para a Agência Brasil.
A enfermeira Marilane Alves, que trabalha em um posto de saúde no Complexo da Maré e participou da Campanha de Vacinação na comunidade, confessou ter sentido uma diferença considerável na procura por atendimento após a vacinação. “Fizemos um grande esforço, e a sensação foi de dever cumprido”, conta Marilane.
A profissional da saúde considera toda a campanha de vacinação contra a Covid-19 um grande projeto, mas destaca que o diferencial do Vacina Maré foi dar oportunidade para uma população que geralmente não tem possibilidade de se proteger. “O interessante do Vacina Maré, é que ele deu a oportunidade de uma população muito grande, com uma abrangência de faixa etária muito maior do que estava para a população em geral, de se vacinar em um espaço de tempo pequeno”, finaliza a enfermeira.