Indicado por Lula ao STF no Dia da Consciência Negra, Jorge Messias se autodeclara pardo

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Atualmente advogado-geral da União (AGU) e indicado pelo presidente Lula ao Supremo Tribunal Federal (STF), Jorge Messias se autodeclara pardo. A assessoria da AGU confirmou ao Notícia Preta a autodeclaração. A indicação gerou reações em setores do movimento negro, especialmente porque o anúncio ocorreu nesta quinta-feira (20), Dia da Consciência Negra, em meio à campanha por uma ministra negra no STF, que seria a primeira da história.

Após o anúncio, parte do movimento negro questionou o nome de Jorge Messias. Alguns juristas publicaram em suas redes sociais que ele seria um homem branco, enquanto outras lideranças e acadêmicos afirmaram que o indicado se enquadra como pardo. A reportagem buscou a assessoria de imprensa da AGU e especialistas no tema para apurar o contexto racial envolvendo a indicação.

Por e-mail, a assessoria respondeu ao NP:

“O advogado-geral da União, Jorge Messias, autoidentifica-se como pardo”, afirmou a equipe de comunicação da AGU.

Gabriel Siqueira, um dos idealizadores da banca de heteroidentificação da UERJ, pesquisador da temática racial no doutorado e coordenador do projeto de extensão “Ações Afirmativas e Políticas Públicas”, comentou sobre a autodeclaração e o contexto da indicação.

“Se ele se autodeclarar como preto ou como pardo, ele é considerado pelo IBGE parte da população negra brasileira, a depender da sua tonalidade. Importantes também são os aspectos fenotípicos. Os aspectos da autodeclaração e da heteroidentificação têm a ver com cor da pele, traços, aspecto do cabelo e tom da pele”, disse o pesquisador.

De acordo com o IBGE, a população negra brasileira é composta pela soma de pretos e pardos. Caso aprovado na sabatina da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado e posteriormente no plenário da Casa, Messias poderá ser o novo ministro do STF.

Ele seria o terceiro ministro negro na atual formação, ao lado de Flávio Dino e Nunes Marques, que também se autodeclaram pardos. Messias pode ocupar a vaga deixada por Luís Roberto Barroso, que anunciou aposentadoria antecipada. Com 45 anos, poderá permanecer por mais três décadas no Supremo, até completar 75 anos, idade da aposentadoria compulsória.

Setores do movimento negro fazem campanha por uma ministra negra no STF desde 2023, quando Flávio Dino foi indicado. Desta vez, a demanda ganhou força inclusive entre artistas e intelectuais brancos. Nas redes sociais, entre veículos da imprensa negra, o debate sobre a raça do indicado de Lula tornou-se pauta relevante.

Messias pode ocupar a vaga deixada por Luís Roberto Barroso, que anunciou aposentadoria antecipada – Foto: José Cruz/Agência Brasil.

Como a sociedade enxerga Messias

O jurista negro Thiago Amparo, professor da FGV e professor visitante na Universidade Columbia, em Nova York, escreveu em sua conta no X (antigo Twitter):

“No Dia da Consciência Negra, o presidente Lula indica mais um homem branco ao STF. Em 134 anos, o STF teve apenas três mulheres, nenhuma delas negra. No atual ritmo, a Corte permanecerá com maioria masculina até 2043, mesmo que todas as próximas indicações sejam de mulheres”, afirmou Amparo.

A fala de Thiago foi feita antes de a autodeclaração de Messias se tornar pública. A equipe de reportagem procurou registros anteriores do indicado, mas nada estava disponível de forma pública na internet, motivo pelo qual consultou a assessoria da AGU. No e-mail, também foi perguntado se havia alguma autodeclaração de Messias registrada institucionalmente antes da indicação, mas a assessoria não respondeu.

Em resposta ao comentário de Amparo, outras pessoas defenderam que Messias é um homem negro. Esse é o posicionamento do mestrando em Economia de Empresas Vinicius Quintanilha:

“Se ele estivesse em um cargo de pouco prestígio social, seria discriminado junto comigo e você em grandes esferas de poder. Pode até ser lido socialmente como branco em Codó (MA) ou Salvador (BA), mas certamente seria discriminado em Blumenau (SC)”, afirmou o pesquisador.

Advogado que se autodeclara pardo é indicado por Lula ao STF –  Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil.

A campanha por uma ministra negra no STF

Para Gabriel Siqueira, a demanda é legítima:

“Se nós somos 56% da sociedade brasileira e não somos 56% da corte, já temos um problema étnico-racial, porque a população representada por 56% do país não está igualmente presente em termos proporcionais na Suprema Corte. Por isso estamos sub-representados e por isso afirmamos que a corte brasileira está dentro do que chamamos de racismo estrutural ou institucional”, avaliou.

A reportagem perguntou a Gabriel se a campanha por uma ministra negra tem sido feita de forma abstrata, sem considerar elementos ideológicos ou o papel institucional de um ministro. Ele respondeu:

“Ser de esquerda ou de direita é algo diferente da questão racial. Como eu disse, se a população está sub-representada, é justo reivindicar uma pessoa negra para aquele espaço, para que haja representação proporcional. O debate ideológico diz respeito ao governo e aos perfis de quem indica, que é prerrogativa do presidente da República. O direito não é positivista, não é abstrato, ele envolve posições políticas. Essa é uma outra discussão, que não cabe ao debate racial. O debate racial aponta que, se 56% da sociedade é negra, o Parlamento e o Supremo deveriam ter proporções semelhantes. Não tendo, estamos sub-representados, o que evidencia racismo estrutural e institucional”, disse o doutor.

A posição de Gabriel representa uma parcela expressiva do movimento negro, mas há outra corrente que defende que a campanha por uma ministra negra deve vir acompanhada da defesa de um nome alinhado ideologicamente à esquerda e as pautas dos trabalhadores já num primeiro momento.

Ainda há correntes que entendem que a questão racial está ligada a questão de classe, na maneira como a classe trabalhadora é racialmente e como foi historicamente conformada, e portanto a posição política, como ser de esquerda e direita teria impacto, esta é a posição do doutorando Jones Manoel expressa no vídeo: “Uma ministra negra no STF: o que não te contaram”, em seu canal do YouTube.

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Thayan Mina

Thayan Mina

Thayan Mina, graduando em jornalismo pela UERJ, é músico e sambista.

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