Fonte: Governo do Ceará
“Quando uma mulher negra se movimenta, ela mexe com toda a estrutura social”. Parafraseando Angela Davis, a professora universitária, doutora em sociologia e intelectual Zelma Madeira responde sobre ser uma liderança e estar à frente da primeira Secretaria da Igualdade Racial (SEIR) do Governo do Ceará.
“Ser secretária de Estado é ter muita responsabilidade, mas fico tranquila porque nunca estive em um lugar sem que meu propósito não fosse coletivo. Se estou na Secretaria, tenho que ter aqui a cara das diversidades étnicas do Ceará. Hoje, não cabe dizer que pessoas negras não têm qualidade de assumir um cargo, porque têm, por causa de vários outros que vieram antes da gente”, defende Zelma.
A coletividade citada pela secretária revela, sobretudo, o protagonismo de homens e mulheres que lutaram e lutam por liberdade, igualdade e justiça social no Brasil, com desigualdades enraizadas nos séculos de escravidão. Portanto, neste 25 de março, quando celebramos a Data Magna do Ceará, é necessário relembrar o marco histórico, mas também ressignificá-lo.
Segundo a secretária, devemos evidenciar as lideranças negras, como Francisco José do Nascimento, o Dragão do Mar, contra o apagamento de seus nomes e suas histórias. “É preciso recordar para não repetir. Mas precisamos colocar novas lentes para ampliar o olhar e, como reivindicam os movimentos sociais negros, reconhecer dentro da dimensão da história e da memória”, explica.
Em 25 de março de 1884, o Ceará tornou-se a primeira província brasileira a declarar o fim da escravatura. A iniciativa, também fruto dos movimentos abolicionistas e muita luta, foi realizada quatro anos antes da Lei Áurea, que declarou a abolição da escravidão em Brasil no dia 13 de maio de 1888. O pioneirismo, que deu ao Ceará o título de Terra da Luz, é celebrado atualmente como a Data Magna do Ceará, instituída como feriado estadual no dia 6 de dezembro de 2011.
“Quando vamos falar do Ceará e do seu pioneirismo, essas figuras que lutaram devem ser reconhecidas, para que a gente entenda que o povo negro não assistiu a tudo de forma passiva. Quando se fala “os abolicionistas”, geralmente vão atrás de outro grupo étnico que não inclui o negro e a negra que sofreram, tensionaram e fizeram o que podiam fazer para alcançar a liberdade. Eles, mesmo sem conseguir alcançar a liberdade como pretendiam, não se conformaram com a desumanização”, registra Zelma.
Protagonismo presente
Com os olhos atentos ao presente, Zelma analisa os desafios e as conquistas na luta antirracista no Ceará. Sobre os desafios persistentes, a secretária avalia que o mito da democracia racial e outras narrativas de apagamento da existência da população negra perduram como barreiras.
“O mito da democracia racial atrapalhou e atrapalha até hoje, por isso tem que ser desconstruído. Quando eu digo que operou uma relação harmoniosa e amistosa entre os grupos étnicos raciais, vou dizer que não teve tensionamento. Se não tem tensionamento não tem racismo, violência e desigualdade. Se não tem desigualdade, por que vamos pensar em políticas públicas? Então, o maior caminho, o que dá trabalho, é não visualizar que os 400 anos de escravidão, acrescidos de uma abolição inacabada, nos atrapalha”, diz.
A titular da SEIR explica que isso repercute, inclusive, na dificuldade do Ceará, com mais de nove milhões de habitantes, de se enxergar como um estado de população negra. “A narrativa no Ceará é que não temos negros, que é um Ceará branco. E isso contribui para não causar preocupação, indignação e espanto ao chegar numa repartição pública e ver que os negros não estão lá representados. Mas, ao chegar a lugares de desvantagens, como presídios e centros socioeducativos, ver mais que o percentual de sua pertença etnico-racial do IBGE [Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística]. Quando somamos pardos e negros, mais de 70% da população do Ceará é negra”, registra.
No campo das conquistas, a criação da Secretaria da Igualdade Racial é uma sinalização importante de um Estado que, nos últimos anos, tem avançado nas políticas públicas para a promoção da igualdade racial. “Se temos hoje a SEIR, que consideramos um ganho, uma esperança, para desenvolvermos os maiores esforços para o combate e superação do racismo, dando uma vida de qualidade a esses grupos que sofrem com a discriminação, deve à criação da [Ceppir] Coordenadoria Especial de Políticas Públicas para a Promoção da Igualdade Racial, em 2010. O que ficou de bom vamos repetir na Secretaria”, garante.
No Poder Executivo Estadual, Zelma Madeira atuou, de 2015 a 2020, como coordenadora estadual de Políticas Públicas para a Promoção da Igualdade Racial. Também foi assessora especial de Acolhimento aos Movimentos Sociais do Ceará, de 2020 a 2022, nas gestões do governador Camilo Santana e da governadora Izolda Cela. No fim de 2022, aceitou o convite para integrar a gestão do governador Elmano de Freitas como titular da pasta de Igualdade Racial, criada a partir da Reforma Administrativa do Estado do Ceará, com base na Lei 18.310, de 17 de fevereiro de 2023.