Fotógrafa pernambucana vence Prêmio Pierre Verger com série que honra os Pretos Velhos da Jurema Sagrada

Uenni

Uenni celebra segundo prêmio nacional com série que honra os Pretos Velhos da Jurema Sagrada - Foto: Rebeca Andrade

Da periferia do Recife para o Brasil inteiro, a fotógrafa Uenni segue rompendo barreiras. Mulher negra, sem formação acadêmica formal, neta e filha de trabalhadoras domésticas, ela foi a primeira mulher da família a encerrar esse ciclo por meio da fotografia. No último dia 27, a jovem conquistou seu segundo prêmio nacional de fotografia. Depois de ser reconhecida no Prêmio Mário de Andrade de Fotografias Etnográficas, agora Uenni é laureada no Prêmio Nacional de Fotografia Pierre Verger, um dos mais prestigiosos do país.

Uenni foi premiada na categoria Ancestralidades e Representações, com a série Canjerê dos Pretos Velhos na Jurema Sagrada, que reúne 19 fotografias produzidas entre 2022 e 2025. Dessas, 10 foram premiadas anteriormente no Mário de Andrade, e outras 9 imagens inéditas – feitas em 2022, 2023 e 2025 – foram incorporadas para ampliar o retrato sensível e profundo de suas vivências no Terreiro Ilê Axé Oxalá Talabi, localizado no território afro-indígena de Paratibe, em Paulista (PE).

As imagens carregam a força do canjerê dos pretos velhos da Jurema Sagrada, tradição que enfrenta historicamente intolerância religiosa e preconceito. “A série fotográfica não foi pensada como projeto, nasceu com o tempo. E foi a fotografia que me trouxe uma forma de mostrar que a gente também merece respeito e que nossa cultura e religião não têm nada a ver com o demônio. É muito interessante quando pessoas se sentem impactadas positivamente pelo trabalho, até pessoas evangélicas já disseram que o acham bonito. São casos isolados, mas mostram que a fotografia pode atravessar barreiras e despertar compreensão em quem normalmente não tem contato com esses espaços”, afirma Uenni.

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Uenni celebra segundo prêmio nacional com série que honra os Pretos Velhos da Jurema Sagrada – Foto: Rebeca Andrade


A paixão de Uenni pela fotografia nasce da memória da avó, uma mulher que, mesmo com poucos recursos, sempre registrou a história da família. Com o tempo, ela percebeu que esses registros estavam se perdendo, seja pela dificuldade da avó em migrar para tecnologias digitais, seja pela fragilidade dos DVDs onde muitas fotos ficaram guardadas. Esse desejo de preservar a memória familiar, especialmente diante da falta de imagens de antepassados, fez a fotografia se tornar para ela uma forma de continuidade e resgate.

O impulso para fotografar terreiros surgiu quando encontrou fotos antigas feitas por sua avó em um terreiro de Jurema, na década de 1990. A partir desse reencontro, Uenni percebeu que seu caminho artístico estava ali, na documentação das tradições, das pessoas e do tempo dentro desses espaços sagrados. Inicialmente fotografou de forma profissional, mas logo entendeu que seu trabalho precisava ser construído com calma, sem pressa e sem depender de pagamento, com um acompanhamento verdadeiro das transformações, das histórias e das relações dentro do terreiro.

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Hoje, seu trabalho é fruto dessa dedicação contínua: um registro que se desenvolve ao longo dos anos, acompanhando o crescimento das pessoas, as mudanças do espaço e a força da tradição. Para ela, fotografar terreiros é preservar a memória, honrar sua ancestralidade e construir um arquivo vivo do tempo. “Este trabalho que está ganhando o segundo prêmio foi feito com calma. Ele acompanha a história de um terreiro, de um culto, de uma tradição, sem pressa. É assim que gosto de trabalhar, construindo trabalhos mais sólidos ao longo do tempo, sem determinar um fim.  Desde 2022, percebo o crescimento do espaço e das pessoas, crianças que eram crianças e hoje são pré-adolescentes. É isso que considero mais interessante no meu trabalho.”, afirma.


Com o prêmio, Uenni passa a integrar a Exposição Coletiva e o Catálogo da 10ª edição do Prêmio Nacional de Fotografia Pierre Verger. No último ano, a fotógrafa também ampliou a circulação de seu trabalho: foi convidada a participar da Exposição Coletiva do Prêmio Mário de Andrade, no Rio de Janeiro, a expor sua obra em uma mostra no Brejo da Madre de Deus, no Agreste pernambucano, e a ministrar uma formação audiovisual em terras indígenas no Acre. Lá, conviveu e trocou saberes com povos originários, uma experiência que atravessa e fortalece sua produção e sua pesquisa de caráter antropológico.

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