Artista denuncia censura após remoção de obra durante festival em Petrópolis: “Lei da Ditadura”

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A releitura da bandeira do Brasil reivindicando o Kilombo Aldeya, obra do artista Matheus Ribs foi retirada pela Guarda Civil Metropolitana de Petrópolis (RJ) no sábado (26), data de abertura do Festival de Inverno promovido pelo Sesc Quitandinha, na região serrana do Rio de Janeiro. A intervenção artística, que reinterpretava a bandeira do Brasil ao substituir o lema “Ordem e Progresso” por “Kilombo Aldeya”, estava exposta em um painel no Parque de Exposições de Itaipava.

Ribs afirmou ao Brasil de Fato que foi informado por um funcionário do Sesc sobre a presença da Guarda Civil no local com um suposto alvará. Os agentes teriam alegado que a obra infringia uma norma baseada na Lei nº 5.700/71, criada durante a Ditadura Militar, que veda alterações em símbolos nacionais. Segundo o artista, a justificativa apresentada remonta a uma legislação ultrapassada e utilizada como instrumento de repressão.

Releitura da bandeira do Brasil reivindicando o Kilombo Aldeya, obra do artista Matheus Ribs foi retirada pela Guarda Civil Metropolitana de Petrópolis (RJ) no sábado (26) – Foto: divulgação.

Morador da Rocinha e nascido em 1994, o artista visual foi convidado pelo Sesc a participar da exposição e criou a obra especialmente para a ocasião. Em sua avaliação, a remoção representa uma violação da liberdade artística. Ele também relatou que não recebeu apoio jurídico nem qualquer assistência institucional da organização responsável pelo evento. “O Sesc apenas avisou que a obra foi retirada, não fui sequer contatado diretamente”, relatou.

Em nota, o Sesc lamentou o ocorrido e manifestou solidariedade ao artista. A entidade declarou que “defende a liberdade de expressão e considera que a diversidade de manifestações artísticas é fundamental para estimular o diálogo e a reflexão sobre temas relevantes para a sociedade”.

Procurada pelo Brasil de Fato, a Guarda Civil de Petrópolis não respondeu às perguntas enviadas até o fechamento da reportagem.

A proposta artística, segundo Ribs, busca questionar a memória nacional e os fundamentos históricos do país a partir da perspectiva de territórios negros e indígenas. “A obra contrapõe a história colonial e propõe outra visão de Brasil”, declarou ao veículo.

O jurista Marcelo Neves, doutor em direito constitucional com pós-doutorado pela Universidade de Frankfurt, explicou que a interpretação legal usada para justificar a retirada é anacrônica. Segundo ele, a Constituição de 1988 garante a liberdade de expressão, inclusive na arte, e a lei de 1971 só se aplicaria em situações de desrespeito intencional, como rasgar uma bandeira hasteada. “Esse entendimento está superado há décadas”, afirmou ao Brasil de Fato.

Apesar disso, setores da extrema direita tentam reviver dispositivos da antiga legislação. Em 2022, o senador Eduardo Girão (Novo-CE) apresentou um projeto que criminaliza alterações nos símbolos nacionais. Em 2023, a Comissão de Defesa da Democracia do Senado aprovou o PL 5.150/2023, que visa tornar crime a confecção e o uso de bandeiras com cores e formatos modificados, inclusive quando associadas a partidos ou movimentos sociais.

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Thayan Mina

Thayan Mina

Thayan Mina, graduando em jornalismo pela UERJ, é músico e sambista.

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