“A arte significa possibilidades e transpõe barreiras”, diz a atriz Vilma Melo, protagonista da série “Encantado’s”

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Cap4 – Cena 3 – Ana Shaula (Luellem de Castro) e Pedro (Dhonata Augusto) de cara amarrada. Eles estão dentro da camiseta e Olímpia (Vilma Melo) termina de escrever “Camisa da União”

Carioca, criada no subúrbio do Rio de Janeiro, a atriz e professora Vilma Melo pode através da arte, levar para o Brasil, um pouco da vivência da cultura suburbana como protagonista da série “Encantado’s” da Globoplay. Em entrevista ao Notícia Preta, a atriz reflete sobre o potencial da arte e o impacto dela na vida das pessoas.

A arte significa possibilidades. De expressão, de você ser, de você se transformar e de você se ver. E através da arte você consegue modificar a realidade da sociedade. Não só a que você vive, mas a arte transpõe barreiras, então você consegue transformar todo mundo”, pontua a atriz que protagoniza a série que apresenta sua segunda temporada. 

Vilma Melo como Olímpia, na série “Encantado’s” /Foto: Manoella Mello – Globo

Segundo ela, o teatro a escolheu na época do vestibular. Antes mesmo de ter contato com um teatro pela primeira vez aos 17 anos, incentivada pela mãe, Vilma fez o vestibular para a Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio) para Artes Cênicas. A atriz passou, se formou e atualmente é homenageada na instituição com seu nome no Diretório Acadêmico do curso.

Apesar de ter sido desencorajada, seja pelas palavras de algumas pessoas ou pelo meio em que estava inserida, a atriz não desistiu. “Esse país me disse o tempo inteiro que eu não tinha o direito de fazer teatro, então eu achava isso. Mas como eu acho que a gente não está sozinho nesse mundo, meus espíritos protetores, meus guias, meus orixás, me encaminharam para a minha pilha, e nunca mais eu saí dela”. 

E lá se vão mais de 30 anos de carreira. Após diversas peças, novelas e produções de audiovisual que lhe renderam diversos prêmios como o Prêmio Shell de Teatro na categoria melhor atriz em 2017, sendo a primeira mulher negra a conseguir esse feito, e até uma indicação de melhor atriz ao Prêmio Platino de Cinema Ibero-Americano em 2022, Vilma também emplacou trabalhos como “Segunda Chamada” e “Amar é para os fortes”. 

Eu sou muito grata, mas nem sempre tudo foram flores. Eu já tinha feito filme, novelas como ‘Avenida Brasil’, ‘Joia Rara’, mas sempre em um lugar de empregada doméstica, de subserviência, que me deixava muito triste. E por mais que eu sempre estivesse nos lugares, falta oportunidade. Então eu tive a oportunidade de fazer o teste para ‘Encantado’s’”, explica a atriz.

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Então chegou Olímpia. “E aí vem uma lupa. Eu seria ingênua se dissesse que é só mais um personagem. Isso é muito legal quando vem de alguém de pessoas que emplacam um trabalho atrás do outro, que não é o meu caso. Mas a Olímpia modificou a minha vida, e também a de muita gente”, conta Vilma, que afirma receber mensagens de espectadores se identificando com a série. Para a atriz, se reconhecer também é importante.

A gente começa a ver que é possível. Através de um reconhecimento, é possível. A gente nada, nada, nada e morre na praia. Então um protagonismo, às vezes vem te dizer que você não morreu na praia não”, conta Vilma, que com a série, vive sua primeira protagonista na televisão.

Encantado’s

A série de humor está no ar com a segunda temporada com 12 episódios no Globoplay. A série, criada por Renata Andrade e Thais Pontes, com redação final de Antonio Prata e Chico Mattoso e direção artística de Henrique Sauer, embarca em uma nova história dentro do mercado e da escola de samba do subúrbio carioca. 

Segundo Vilma, a energia da série tem tudo a ver com a sua criação. Criada entre Oswaldo Cruz, bairro da Zona Norte do Rio, e Realengo, na Zona Oeste, a atriz conta que as escolas de samba sempre esteve na sua vida. “Meu pai tinha aquela coleção, de todos os discos de todos os anos, então eu fui criada no samba escamoteado”, conta a atriz, que a maior parte da infância foi em Realengo, dividindo seu coração pela Portela e pela Mocidade. 

Tem isso que é muito típico, que eu vejo nessa segunda temporada por exemplo, quando estamos na laje assistindo a apuração. E eu lembro em Realengo a gente colocando a televisão na calçada, fechando a rua e todo mundo assistindo junto. E pegava cerveja, refrigerante, salgadinho, e até assistia ao desfile. Então, essa vivência do subúrbio carioca raiz eu tenho muito. E remete a uma coisa quando a gente fala de pessoas negras que é um que colabora com o outro, que colabora com mais alguém”, relembra a atriz, que percebe essa relação em outros atores da série. 

Quando a gente cai em ‘Encantado’s’, a gente vê bem o retrato disso, pois a maioria de nós ali, por sermos pessoas pretas, somos oriundos desses lugares: da periferia de são paulo, de salvador, das zonas nortes e oeste do Rio. Quando a gente bate o texto, aquelas situações são muito próximas da realidade que perpassou a gente”, conta Vilma, que cita o exemplo da relação das escolas de samba com a comunidade.

Como é duro pegar um trem todos os dias pra ir trabalhar, e a maior parte delas, pessoas negras, por uma questão histórica. Então quando a gente vai falar de carnaval, essa é a válvula de escape, onde ela se sente capaz. onde ela diz: hoje eu existo. E o samba é de pessoas pretas, e é necessário que as pessoas possam expurgar todas as questões do ano. O carnaval é mágico”, pontua a atriz que dá vida a Olímpia, e que também destaca a abordagem do texto em questões importantes.

As autoras, junto com os roteiristas, foram muito felizes em suas escritas. Escolheram muito a dedo como trazer essa nossa realidade dura do dia a dia, com assuntos que você não quer falar sobre, mas com uma leveza e satirizando isso. Falar sobre preto, sem falar sobre preto. Colocam todos aí como heróis da história, e os brancos como vilões da história, invertendo a lógica do pensamento estereotipado, e uma família suburbana bem sucedida”, diz Vilma, que algumas “mensagens subliminares” aparecem também, mas sempre levando o público a reflexão, principalmente na TV aberta.

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Bárbara Souza

Bárbara Souza

Carioca da gema, criada em uma cidade litorânea do interior do estado, retornou à capital para concluir a graduação. Formada em Jornalismo em 2021, possui experiência em jornalismo digital, escrita e redes sociais e dança nas horas vagas. Se empenha na construção de uma comunicação preta e antirracista.

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