Estudo mostra como ações afirmativas transformam o perfil das universidades brasileiras

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As universidades públicas no Brasil passaram por uma transformação histórica nos últimos 20 anos. Dados de um novo estudo, organizado pelos sociólogos Luiz Augusto Campos e Márcia Lima, mostram que as ações afirmativas mudaram radicalmente o perfil racial e social do ensino superior no país.

Até o fim dos anos 1990, as universidades eram espaços ocupados majoritariamente por jovens brancos, de classes média e alta. Esse cenário começou a mudar em 2003, quando a Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) se tornou pioneira na adoção de cotas raciais. A partir de então, outras instituições seguiram o mesmo caminho, culminando na criação da Lei de Cotas, sancionada em 2012.

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De acordo com dados do Censo da Educação Superior de 2023, divulgados pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), 56,3% dos estudantes de universidades públicas se declaram pretos, pardos ou indígenas. Em 2001, esse percentual era de 31,5%. O crescimento também é expressivo entre alunos de baixa renda. Nas classes D e E, a participação subiu de 20% para mais de 50%.

O livro Impacto das Cotas: duas décadas de ação afirmativa no ensino superior brasileiro, lançado este ano, traz uma análise detalhada dessa transformação. Segundo os autores, além de ampliar o acesso, as ações afirmativas também promoveram mudanças profundas na dinâmica acadêmica, nos currículos e nas práticas pedagógicas das universidades.

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No prefácio da obra, a professora Nilma Lino Gomes, primeira mulher negra a assumir a reitoria de uma universidade pública no Brasil, afirma que as cotas não são apenas uma política de inclusão, mas um motor de transformação institucional. “Elas desestabilizaram estruturas que historicamente excluíam a população negra, indígena e de baixa renda do ensino superior”, diz.

O estudo também desmonta um dos principais argumentos usados contra as cotas: o de que alunos cotistas teriam desempenho acadêmico inferior. Levantamentos realizados pelo Ipea, pelo próprio Inep e por diversas universidades mostram que os índices de aprovação, permanência e conclusão de curso são iguais ou até superiores entre os estudantes cotistas, quando comparados aos alunos da ampla concorrência.

Na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), por exemplo, uma pesquisa divulgada em 2024 aponta que a taxa de conclusão dos alunos cotistas é 6% maior que a dos não cotistas.

Apesar dos avanços, os pesquisadores alertam para desafios que permanecem. Um deles é a presença ainda reduzida de negros, pardos e indígenas na pós-graduação. Dados da Capes, também de 2024, mostram que apenas 17% dos matriculados na pós-graduação pertencem a esses grupos, número bem abaixo do observado na graduação.

Outro desafio é a desigualdade regional. O acesso às universidades ainda reflete desigualdades históricas entre estados, com maior concentração de vagas ocupadas por estudantes pretos e pardos nas regiões Sudeste e Nordeste, enquanto o avanço é mais lento no Sul e no Centro-Oeste.

Para a socióloga Márcia Lima, uma das organizadoras do estudo, a diversidade no ensino superior não é apenas uma questão de justiça social, mas também de qualidade acadêmica. “Ampliar quem produz conhecimento no Brasil significa tornar a ciência mais diversa, mais criativa e mais conectada com os desafios do país”, afirma.

A atualização da Lei de Cotas, sancionada em 2023, reforçou a importância da política, incluindo a priorização dos cotistas no acesso a auxílios estudantis, como moradia, alimentação e transporte. A medida busca garantir não apenas a entrada, mas também a permanência desses estudantes nas universidades.

O estudo conclui que, embora as ações afirmativas já tenham produzido uma transformação sem precedentes no ensino superior, o avanço precisa continuar, especialmente na pós-graduação e na ampliação de políticas de permanência.

As cotas, segundo os pesquisadores, seguem sendo uma das ferramentas mais eficazes para reduzir desigualdades históricas no Brasil.

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