Nova onda de alisamento entre mulheres negras: entenda o que está por trás

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As tendências de moda vão e vêm, entretanto, o alisamento de cabelo das mulheres negras vai muito além de simplesmente ‘moda’. Ainda que o movimento Cabelo Natural tenha crescido muito na última década, algumas mulheres estão desistindo de investir tempo em dinheiro para manter os cabelos crespos e cacheados e decidiram voltaram com o alisamento.

Por anos, meninas e mulheres negras foram reféns de escovas, chapinhas e produtos químicos, parte de uma grande pressão estética social cuja origem é muito antiga. No período colonial e de escravização, já havia uma demanda para pessoas negras mudarem seus traços e se adequarem ao padrão de beleza branco europeu.

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Mulheres negras decidem voltar com o alisamento. Foto: Depositphotos

Esse comportamento se enraizou na sociedade e foi muito perpetuado através da mídia, moda e publicidade. A falta de representação negra em espaços relacionados à beleza e nas indústrias também foi um grande colaborador para isso. Nesse sentido, romper com a ditadura dos fios lisos foi um processo lento e difícil, de muita paciência, cuidados especiais e gastos.

A adesão de artistas negras, influenciadoras e movimentos antirracistas ao tema, nos últimos anos, fez com que os cabelos naturais começassem a ter uma maior aceitação. Surgiram blogs, páginas no instagram e canais no youtube com dicas de produtos para cabelos afro e tutoriais de como usá-los. Através das mobilizações nas redes sociais, as marcas já não podiam mais ignorar os cabelos crespos e cacheados.

Todavia, após anos desse movimento de valorização das texturas naturais, nota-se a volta de um movimento contrário, muitas mulheres resolveram voltar ao alisamento. De acordo com o Google Trends, entre os anos de 2020 e 2022, houve um crescimento de 119% de pesquisas na plataforma por “cabelos lisos”. No mesmo período, a procura por “alisamento de cabelo” cresceu 176%. Nesse sentido, existem alguns fatores que podem explicar a volta dos alisamentos.

Volta da tendência “anos 2000”

A volta da moda anos 2000, também conhecida como “Tendência Y2k”, adaptada do inglês “Year 2k”, retornou com a estética das blusas cropped de tecidos leves, presilhas e acessórios coloridos, calça de cintura baixa, óculos escuros, celulares com flip e o uso de câmeras digitais. Somado a isso, o cabelo liso escorrido tinha forte presença dentre os ícones de beleza da época, tais como Destiny ‘s Child e Britney Spears.

O resgate da tendência Y2K na internet trouxe de volta a hipervalorização do cabelo liso, algo visto como prejudicial, principalmente às mulheres negras que não têm esse tipo de fio. Além disso, retornou também, a ideia – questionável- de que o cabelo liso dá menos trabalho. Isso ocorre porque volume, frizz e ressecamento são muitas vezes considerados defeitos quando, na verdade, são características dos cabelos cacheados e crespos.

Seletividade na aceitação dos cachos

O padrão capilar não está presente somente nos fios lisos, muitas mulheres cacheadas enfrentam a imposição dos cachos perfeitos em seus cabelos naturais. Essa cansativa e frustrante batalha na padronização dos cachos também é um motivo para a volta do alisamento.

A estudante de publicidade e blogueira Carol Figueiredo contou à Revista AZMina que ficou muito animada ao ver o processo de transição capilar de blogueiras, mas, quando chegou a vez dela, a animação não foi a mesma. “Eu fiquei muito feliz quando vi os cachinhos formados, embora não tenham ficado 100%”, disse Carol no início do seu processo. Depois, a estudante tentou algumas técnicas de cuidados e, ao se frustrar com os resultados, voltou a alisar. Mais tarde, tentou novamente a transição capilar para o cacheado.

Por fim, admitiu a insatisfação quando o cabelo não ficava como o de outras mulheres cacheadas e, pela terceira vez, fez o relaxamento dos fios, um tratamento para reduzir volume e frequentemente feito com química.

Fórmula perfeita

A seletividade na aceitação dos cachos fez com que muitas técnicas para aperfeiçoar as curvas fossem desenvolvidas e, com elas, muitos produtos capilares. A rotina de incontáveis e trabalhos métodos de finalização e os infinitos cremes para definir a juba desgastam a boa relação da mulher com o próprio cabelo.

Hailanny Souza, analista de mídias sociais, encontrou no YouTube dicas, técnicas e produtos para cabelos naturais durante sua transição capilar, aos 26 anos. Foram testados por ela todos os tutoriais possíveis de finalização de cachos: fitagem com o dedo, com caneta, com papel, presilhas, dentre outros.

“Eu gastava metade de um pote de creme e quase nunca dava certo. Eram cremes caros. Todo mês eu estava comprando produtos para usar no meu cabelo, para cachear”, contou a analista, que investiu muito dinheiro e tempo em busca do cabelo impecável.

Sua rotina capilar contava com métodos de lavagem, secagem, finalização e manutenção dos fios ao longo do dia, da noite, day after (que é o cuidado nos dias seguintes à lavagem do cabelo) e até durante o sono.

Haianny mudou tudo isso por acaso, quando só teve 30 minutos para se arrumar antes de sair com os amigos e apenas borrifou água e creme de pentear no cabelo. “Peguei um borrifador, botei água, um pouco de creme para pentear, passei no meu cabelo e fui soltando os cachos. Me achei incrível, maravilhosa e linda.” A partir de então, a analista de mídias sociais passou a ter uma relação prazerosa com o cuidado do cabelo.

O custo além do dinheiro

Dentre os itens na receita do cabelo perfeito, as pomadas finalizadoras estavam no topo. Entretanto, algumas pomadas usadas na manutenção de tranças e baby hair chegaram a ser retiradas do mercado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) por causarem lesões oculares e irritação na pele.

O problema, que era muito comum, só teve a atenção do órgão a partir do envolvimento de personalidades da internet como Bielle Elizabeth, que ficou dias sem enxergar após a pomada cair em seus olhos. A ex-BBB Tina Calamba, também revelou, em uma live na rede social, a perda temporária da visão após usar uma pomada capilar modeladora.

Os acidentes aconteciam, principalmente, com pessoas que tomaram chuva, banho de mar ou piscina após usarem o produto. Para garantir a segurança dos consumidores, a Anvisa interditou o uso de qualquer marca ou fabricante até que testes e investigações fossem feitas. Recentemente, a agência de vigilância divulgou uma lista de mais de 900 marcas que podem voltar ao mercado, mas o monitoramento de casos continua.

Pressão para ‘des-alisar’

O Movimentos dos Cabelos Naturais teve seu início na década de 1960, com ativistas como Angela Davis e Elaine Brown. A luta era contra os padrões de beleza eurocêntricos, e se espalhou por outras partes do mundo com o intuito de promover aceitação e valorização dos cabelos afro texturizados.

Entretanto, houve o efeito contrário em muitas mulheres, segundo Natália Rocha, neuropsicóloga com abordagem em relacionamento e autoestima, uma vez que elas se sentiram forçadas a entrar no movimento de volta aos cabelos naturais sem estarem preparadas.

“Você sai da imposição do cabelo alisado, mas permanece presa na expectativa do que o outro considera bonito”, explica Ainda acrescenta que, se a mulher negra de cabelo crespo não está com a autoestima realmente trabalhada, acaba cedendo a esses padrões mais uma vez.

Carol Figueiredo concorda, “Não é fácil lidar com cabelo sendo negra, seja ele liso, cacheado, de qualquer forma”. Dessa maneira, o problema não é o tipo de cabelo em si, mas a imposição de padrões inatingíveis e que discriminam essas mulheres.

A psicóloga Nathália, que conduz uma clínica antirracista encoraja as mulheres a refletirem e sustentar a escolha. Ela acredita que o cabelo crespo oferece versatilidade para as mulheres negras, mas “será que é porque a pessoa realmente quer ou acha bonito, ou simplesmente porque está seguindo uma tendência popular?”

Atualmente, o movimento do cabelo natural tomou uma nova vertente, na qual a ideia predominante é a da escolha do cabelo ao invés de uma imposição. A mulher negra pode escolher ter o cabelo cacheado, liso, loiro ruivo e o que mais quiser. A adesão de laces, apliques e tranças foram formas que a comunidade encontrou de variar os looks sem danificar os fios com químicas.

Seja qual for a escolha, é importante entender que existe a pressão por parte da sociedade para o alisamento dos cabelos crespos e cacheados e o controle da aparência das mulheres negras. O que importa é que as mulheres tenham uma boa relação com seu cabelo e se sintam confiantes com eles.

Leia também: “A transição capilar tem que ser uma ferramenta de empoderamento”, diz Gleici Damasceno

A reportagem original foi publicada na Revista AZ Mina

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