Crimes raciais que chegam à justiça aumentaram em 2,3%, segundo dados da CNJ

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Foto: Gil Ferreira/CNJ

Dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) revelam que, entre os anos de 2019 e 2020, o número de casos novos que chegaram até pelo menos à 1° instância nos tribunais brasileiros aumentou em 2,3%.  Em 2020, foram cadastrados no painel cuja proposta é acompanhar a realidade dos tribunais brasileiros, 1.826 crimes resultantes de preconceito de raça ou cor.  O estado com mais casos registrados pelo Tribunal de Justiça (TJ) local é o Rio Grande do Sul com 385 casos de crimes raciais no sistema, seguido pelo TJ do Mato Grosso, com 377.  O estado com menos casos na justiça é Roraima, que consta com apenas um processo cadastrado.

A maioria dos processos se concentram na 1°Instância, (1.736), mas também são observados processos no Juizado Especial (14), e no Supremo Tribunal de Justiça onde seis novos processos foram incluídos em 2020. Não se tem, no painel, informações disponíveis sobre inquéritos arquivados e decisões de condenação ou não pelos crimes. O ano com maior número de casos cadastrados, desde 2014 quando o painel incluiu essa opção, foi em 2017 com 1.973 casos.

Foto: Gil Ferreira/CNJ

Estima-se que os números que cheguem até a justiça seja muito inferior àqueles registrados, e condenações também são raras. Apenas esse ano, 2021, em decisão inédita na Justiça brasileira, foi registrada uma condenação pelos crimes de injúria racial e racismo. A decisão foi contra Gustavo Metropolo, ex-aluno da Fundação Getúlio Vargas, por ter comparado outro aluno da instituição a um “escravo” (nas palavras de Metropolo). A ação havia sido filmada por vídeo.

Também neste ano, a primeira lei sobre discriminação racial no Brasil completou 70 anos. A Lei 1.390 de 3 de julho de 1951, que leva o nome do deputado federal responsável por sua autoria, Afonso Arinos, tornava contravenção penal, ou seja uma infração de menor gravidade a, discriminação racial. Em 1989, com a Constituição e a partir da luta de instituições como o Movimento Negro Unificado (MNU), é criada a Lei 7.716 , que determina a pena de reclusão a quem tenha cometido atos de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional, que engloba os casos novos de crimes raciais divulgados pela CNJ.

Avanços e retrocessos

Para o advogado Fernando Luis Barbosa,  podemos considerar que  as leis raciais no Brasil avançaram e não só devido àquelas que criminalizam o racismo, mas também com a aprovação das Leis de Cotas, por exemplo.  Para Barbosa, hoje é importante impedir o retrocesso “Que nós não retrocedamos porque no atual momento existe a possibilidade de nós enfrentarmos alguns retrocessos. Hoje a luta é justamente para que nós não retrocedemos”, ressalta Barbosa que lembra, “cada palmo que avança que nós alcançamos é fruto de muita luta”.

Nesta semana, uma decisão do juiz Rudi Baldi Loewenkron,  da 16ª Vara Criminal do Rio de Janeiro, resolveu pelo arquivamento do inquérito onde o casal Mariana Spinelli e Tomás Oliveira eram investigados pelo crime de calúnia contra o instrutor de surfe Matheus Ribeiro, de 22 anos, por terem o acusado do roubo de uma bicicleta.  Matheus, um jovem negro, registrou virtualmente o crime de racismo, mas durante o andamento do inquérito a delegada Natacha Alves de Oliveira, não viu índicio de crimes raciais e tipificou como calúnia por Spinelli e Oliveira.

“Um ponto que precisa ser trazido à luz é que o debate racial não se limita a pessoas não-brancas, enquanto você tiver os operadores do direito, as pessoas que fazem leis,  as pessoas que aplicam as leis sendo as pessoas brancas, hegemônicas. Os homens, cis, hetero, branco de meia idade, que aplicam essas leis, a gente vai ter dificuldade de avançar”, ressaltou o advogado.

Magistrado Branco

Dados da CNJ sobre o perfil dos magistrados no país em 2018, último levantamento divulgado, demonstram que em relação ao perfil étnico-racial, a maioria dos juízes e juízas se declaram brancos (80,3%), 18,1% negros (16,5% pardos e 1,6% pretos), 1,6% de origem asiática e apenas 11 magistrados se declararam indígenas. Entre os magistrados que ingressaram até 1990, 84% se declararam brancos. Entre os que ingressaram no período de 1991-2000, 82% se classificaram como brancos, reduzindo para 81% entre os que ingressaram entre 2001-2010, e ficando em 76% entre os que entraram na carreira a partir de 2011.

“A gente vem de um passado histórico em que eugenia foi uma política de estado, o branqueamento da população negra foi uma política de estado. Você teve por exemplo na história a criminalização do samba, da capoeira, das práticas de matriz africana, das religiões de matriz africana”, relembra ainda Barbosa que observa que as leis foram desenhadas visando o genocídio dos negros.  “Você tem os tipos penais né curandeirismo, às vezes sua avó e sua bisavó era benzedeira e poderia ter sido presa por ser benzedeira. A gente precisa falar sobre raça, porque raça está em tudo. E para fazer esse debate racial a gente precisa discutir branquitude”, finaliza o advogado. 

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