O câncer de mama é a principal causa de morte por câncer entre mulheres no Brasil. Mas quando recortamos a realidade das mulheres negras, os números revelam uma desigualdade alarmante: diagnósticos mais tardios, tumores mais agressivos e taxas de mortalidade significativamente maiores.
De acordo com o Instituto Nacional do Câncer (INCA), a incidência da doença é menor entre mulheres negras, mas os casos costumam ser descobertos em estágios mais avançados: 60% contra, 50% entre mulheres brancas. Entre 2000 e 2020, o aumento da mortalidade foi quase quatro vezes maior nesse grupo. Além disso, o tipo histológico mais agressivo, o triplo-negativo, aparece quase duas vezes mais em pretas e pardas (20%) do que em brancas (10%).

Quando a experiência pessoal encontra o racismo estrutural
Moradora de Belo Horizonte, a professora aposentada Patrícia Maria de Souza Santana, 60 anos, descobriu o câncer de mama graças à rotina de exames de prevenção. Desde os 40 anos, ela fazia mamografias regulares e, em uma delas, foram detectadas pequenas calcificações. O acompanhamento próximo com a mastologista permitiu que o diagnóstico fosse feito ainda no início.
“Sempre fui cuidadosa com meus exames de rotina, e isso fez a diferença. Quando veio o diagnóstico, estava no começo e tive acesso imediato ao tratamento”, relata.
O tratamento, realizado pelo SUS em Belo Horizonte, foi marcado pelo acolhimento da equipe de saúde. Ela passou por sessões de radioterapia e acompanhou de perto o trabalho do oncologista e do mastologista. “Fui muito bem atendida, senti respeito e dedicação.”

Mas Patrícia também relembra situações em que o racismo atravessou sua vida em outros atendimentos médicos.
“Uma vez, mesmo com muita dor, não tive o cuidado necessário de uma médica. Ela não me dava atestado, não me examinava direito. Quando troquei de profissional, fui tratada com dignidade. Foi aí que percebi que era racismo, essa ideia de que mulheres negras suportam mais dor”.
Durante o tratamento, ela contou com uma verdadeira corrente de apoio: do marido, dos filhos, de amigas e amigos. “Recebi muito amor. Isso foi tão importante quanto a medicação. O afeto também cura”.
O que dizem os especialistas
A médica Simone Nascimento, palestrante e conselheira do Pacto Global da ONU, explica que o problema não é apenas biológico, mas sobretudo social.
“Mulheres negras enfrentam barreiras no acesso a exames, consultas e tratamentos. Muitas vivem em áreas com baixo IDH, onde faltam mamógrafos e especialistas. A lei que garante tratamento em até 60 dias nem sempre é cumprida para essa população.”
Ela defende mudanças estruturais: como a descentralização de serviços, unidades móveis em regiões periféricas, horários ampliados, políticas antirracistas na saúde e programas de navegação de pacientes para reduzir atrasos.
“A equidade exige que o rastreamento comece mais cedo para mulheres negras, a partir dos 40 anos — como prevê a nova diretriz do Ministério da Saúde — porque elas concentram subtipos mais agressivos em idades mais jovens.”

Sinais de alerta e prevenção
Entre os sinais que não devem ser ignorados estão:
- aparecimento de nódulo,
- alterações na pele ou formato da mama,
- secreções incomuns,
- vermelhidão persistente,
- ou caroço na axila.
Além da detecção precoce, hábitos como manter peso saudável, praticar atividade física, reduzir consumo de álcool, amamentar quando possível e cuidar do sono são fundamentais para reduzir riscos.
Outubro Rosa além do slogan e novas diretrizes do Ministério da Saúde
Neste Outubro Rosa, mulheres negras pedem que a campanha vá além do slogan. “Nossa saúde é muito importante. Precisamos criar espaço para o lazer, praticar exercícios, cultivar amizades e buscar ajuda médica. Esse é o verdadeiro sentido do autocuidado”, resume Patrícia.
Para Simone Nascimento, é urgente que o tema seja tratado com ação concreta. “Saúde mental e física não são slogans. São ações. Precisamos de políticas públicas consistentes e de profissionais capacitados para garantir que mulheres negras tenham acesso a diagnóstico precoce e tratamento digno.”
Em setembro deste ano, o Ministério da Saúde anunciou que o SUS passará a oferecer mamografias de rastreamento a partir dos 40 anos. A decisão atende a uma antiga demanda de especialistas e movimentos sociais, já que mulheres negras concentram casos em idades mais jovens e em subtipos mais agressivos.
Simone reforça também que essa mudança é uma vitória importante, mas precisa vir acompanhada de investimento e equidade. “Não basta ampliar a faixa etária no papel. É preciso garantir equipamentos, profissionais capacitados e estratégias de busca ativa, especialmente em regiões periféricas. Só assim conseguiremos reduzir o atraso no diagnóstico entre mulheres negras.”
Um chamado ao autocuidado coletivo
Hoje, Patrícia faz questão de compartilhar sua experiência para incentivar outras mulheres negras a cuidarem de si:
“Nós carregamos muitas responsabilidades e preocupações, mas não podemos negligenciar nossa saúde. Precisamos estar atentas, fazer exames, falar dos nossos sentimentos e, se necessário, buscar terapia. O racismo adoece, e precisamos de uma corrente de cuidados.”
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