Por: Jéssica Silva de Oliveira
Advogada Civilista
Há muito tempo tenho refletido sobre como o Tribunal da internet julga pessoas negras que, de alguma maneira, têm o debate antirracista como tema central da sua atividade profissional. Não é fácil equilibrar militância e trabalho, principalmente em tempos de “cancelamento nas redes sociais”.
O curioso é que, na maioria das vezes, a mesma rede social que exalta as habilidades profissionais daquela mulher negra ou daquele homem negro que ganhou notoriedade na nossa comunidade (e até mesmo fora), promove o seu cancelamento quando se tem notícia da negativa de flexibilização do custo do seu trabalho. Afinal, você é maravilhosa(o), dona(o) da p@*$% toda, deusa e por aí vai, até o Tribunal da internet decidir que não é mais.
Em alguns casos, a pessoa chega ao ponto de se expor nas redes, tendo que explicar o óbvio: que a vida não é como um perfil perfeito de rede social e que, por trás dos “closes”, tem muito corre e desespero para fechar o mês com as contas em dia. Mas sempre existem aquelas pessoas que, mesmo com poder econômico para pagar o serviço de uma pessoa preta, que enfrentou uma gama de adversidades para se qualificar e poder ofertar determinado serviço ou produto, acham que, em se tratando de militância, o trabalho deve ser pouco ou não remunerado.
No último dia 27, o rapper Emicida, em participação no programa Roda Viva, da Tv Cultura, foi questionado sobre o preço dos produtos da sua marca, a Lab Fantasma. Em resposta, Emicida disse, entre outras coisas, que não venderia uma camisa a R$ 9,90 as custas de um salário de miséria a uma mulher que poderia ser sua mãe. Errado não está, né…
Ninguém se dá o trabalho de ao menos entender como funciona a cadeia de produção ou de fornecimento do serviço por trás do produto final ou, até mesmo, minimamente, refletir que o mercado, ao ofertar um produto ou serviço com “preços populares”, precariza a mão-de-obra de uma infinidade de pessoas, inclusive crianças, submetendo- as à condições indignas de trabalho, como se vê em oficinas de costura contratadas por lojas de marcas varejistas de moda popular, como a Marisa e a Renner.
Não adianta você achar um artista negro maravilhoso, assistir as lives no Instagram e não colaborar com o chapéu virtual (neste caso, obviamente não estou falando do Emicida, só para constar.). Ou adorar os produtos de uma empreendedora negra do ramo de vestuário, mas preferir gastar R$ 300,00 em um moletom da Nike, empresa envolvida com trabalho análogo à escravidão e com trabalho infantil.
O processo de fortalecimento da nossa comunidade também passa pelo ponto onde defendemos e colaborarmos com aqueles que, diariamente, tentam equacionar até que ponto a flexibilização do seu trabalho coloca em risco a sua própria subsistência. É fazer o dinheiro circular, quantas vezes possível for, nas mãos dos nossos porque, como canta Emicida, em Principia: “Tudo, tudo, tudo que nóis tem é nóis”.