Por: Jéssica Silva de Oliveira
Advogada Civilista
Parafraseando o ditado popular: contra dados, não há argumentos. Então vejamos alguns dos marcadores que atravessam a existência de mulheres negras:
Violência sexual – 73% dos casos de violência sexual registrados, em 2017, foram cometidos contra mulheres negras, representando este percentual um aumento de quase dez vezes de 2009 a 2017, conforme aponta a pesquisa “A cor da violência: Uma análise dos homicídios e violência sexual na última década”, realizada pela Rede de Observatórios da Segurança;
Violência de gênero – Segundo pesquisa do Sinan/Ministério da Saúde, 54% das mulheres trans e travestis agredidas são negras;
Violência obstétrica – A pesquisa “Nascer no Brasil: Inquérito Nacional sobre Parto e Nascimento”, coordenada pela Fundação Oswaldo Cruz, revela que mulheres negras vítimas de algum tipo de violência obstetrícia representam o percentual de 65,9%;
Desigualdade salarial no mercado de trabalho – Mulheres negras precisam trabalhar 55 minutos a mais para receber a mesma remuneração que um homem branco ganha em uma hora, segundo Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua do IBGE;
Sub-representatividade nos espaços de poder – Mulheres negras representam 2% do Congresso Nacional e menos de 1% na Câmara dos Deputados;
Precarização do trabalho doméstico – 45% de empregadores, das classes A e B, dispensaram empregadas domésticas sem pagamento durante o período da pandemia do covid-19, segundo pesquisa do Instituto Locomotiva. E adivinhe qual é a cor dessas trabalhadoras?
São marcadores como esses que evidenciam a urgência na adoção de políticas voltadas às mulheres negras, de maneira a reparar as agressões sofridas por múltiplos sistemas de opressão. Pensar interseccionalmente é a chave para entender como mulheres negras são atravessadas, simultaneamente, por diversos marcadores de violência.
Ser mulher negra é uma experiência complexa que não se encaixa em movimentos hegemônicos, razão pela qual é preciso estar sempre na disputa por uma narrativa em primeira pessoa, sendo as opressões de gênero, raça e classe, juntas, um dos maiores obstáculos para que mulheres negras sejam protagonistas de sua própria história.
Exemplo disso é a crise sanitária instaurada pela pandemia do covid-19, pois vimos o Estado atuar de maneira cada vez mais negligente com a população negra, expondo a um nível absurdo de vulnerabilidade. Neste cenário, são, principalmente, as mulheres negras, pobres e periféricas, ocupantes da base da pirâmide social, que têm enfrentado as amarguras dessa engrenagem genocida, seja por via da precarização do trabalho doméstico, pela morte de seus filhos nas intervenções da força policial, pela falta de acesso ao sistema público de saúde, pela evasão escolar, dentre outras questões que impedem a existência plena dessas mulheres.
A ironia desse cenário excludente mora no fato de ter sido justamente uma mulher negra (a biomédica Jaqueline Goes de Jesus) a sequenciar o genoma do novo coronavírus, no tempo recorde de 48 horas. Isso num país que, dos 15% de mulheres docentes no ensino superior com bolsa de pesquisa, apenas 2,6% são negras, segundo o Censo da Educação Superior/INEP/2018. Ou seja, a potência da mulher negra mora na resistência.
E resistir é um trabalho cotidiano para mulheres negras porque, mesmo diante de todas as agressões sofridas pelos múltiplos sistemas de opressão, parafraseando Maya Angelou, ainda assim, sempre nos levantaremos. Principalmente para reivindicar o direito de protagonizarmos nossa própria história e mudar a lógica hegemônica vigente.
É como disse Angela Davis: “Quando a mulher negra se movimenta, toda a estrutura da sociedade se movimenta com ela, porque tudo é desestabilizado a partir da base da pirâmide social onde se encontram as mulheres negras, muda-se a base do capitalismo”. Logo, que fique entendido: as mulheres negras são a chave para a revolução.
Neste mês em que se comemora o dia internacional da mulher negra latina-americana e caribenha, brindemos às mulheres negras que pavimentaram o nosso caminho, às que lutam lado a lado hoje e às que ainda virão para somar a esse movimento em prol da construção de uma sociedade mais igualitária. Brindemos aquelas que, diariamente, driblam os marcadores de violência que lhe atravessam e servem de base para as nossas famílias.
Salve Tereza de Benguela. Salve Marielle Franco. Salve nossas mães, nossas tias, nossas avós… Salve tantas e tantas outras que nos mostraram o caminho. Obrigada por tudo e por tanto. Sigamos resistindo e “hackeando” o sistema!
Jéssica Silva de Oliveira – Advogada
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