A Revista GQ Brasil – edição julho/agosto chegou às bancas no último final de semana e a capa estampa Yuri Marçal, Rene Silva e o rapper Orochi – três jovens negros referências em suas áreas – que ajudam a reescrever a história de uma publicação que tem buscado ressignificar padrões masculinos de beleza e de sucesso. E, no meio de toda essa mudança editorial, uma mulher tem se destacado. Agatha Barbosa, 28 anos, é responsável por duas das produções de moda na capa da GQ deste bimestre. Ela, que começou 2020 produzindo o figurino da cantora Ludmila para a Vogue Brasil, bateu um papo com o Notícia Preta sobre sua promissora carreira e sobre os desafios que enfrenta como mulher preta nos bastidores da moda.
Notícia Preta: O que significa para você a capa da GQ de julho/agosto, que apresenta pela primeira vez três jovens negros como exemplos de sucesso?
Agatha Barbosa: É uma representatividade absurda. Eu fiz a produção de moda de duas das capas (Rene Silva e Yuri Marçal). Fiquei muito feliz com o resultado. Sou muito fã dos dois. Eu quero ver cada vez mais isso. Dá uma certeza de que a gente vai chegar lá, de que todo mundo pode chegar no topo. Dá força ver alguém que se parece comigo num lugar onde eu quero estar. Quero ocupar cada vez mais, eu e todo mundo, a nossa comunidade, a gente tem que ocupar. Só temos que ter espaço, manter e ampliar.
NP – Você desistiu de ser modelo, mesmo tendo o “biotipo ideal”, por que? Pode contar um pouco a sua história?
AB: Eu sou de São Gonçalo, região metropolitana do Rio de Janeiro. Minha história na moda começou aos 15 anos, como modelo. Sempre fui muito magra e alta, e minha mãe achava que esse era o caminho. Mas eu comecei a me apaixonar pelo mundo da moda em si, pelo todo. Eu fiz um caminho inverso da maioria das meninas: quis trabalhar nos bastidores ao invés de ser o centro das atenções das passarelas. Mas começar não foi fácil, mesmo tendo o apoio dos meus pais. Até hoje, faculdade de moda não é uma coisa acessível, começando por não ter uma universidade pública. Aos 19 anos eu ingressei numa faculdade de moda privada, mas precisei parar. Logo depois eu recomecei com uma bolsa de estudos no Senac, e através do curso pude participar do Veste Rio – um dos maiores eventos de moda do país. Trabalhei nos bastidores fazendo camarim e me apaixonei; a partir dali tudo começou a acontecer. Criei minha rede de contatos, corri atrás e não parei mais.
NP: O que é ser uma Produtora de moda? O que você faz, na prática?
AB: A produtora de moda organiza e produz toda pré-produção de uma foto, de um vídeo, de um clipe ou um programa. A gente busca peças, acessórios e roupas que tenham a ver com o universo daquela produção. Eu também atuo hoje como assistente de stylist (estilista). Tenho a oportunidade de trabalhar com um dos melhores do Brasil, o José Camarano. Além de ter me levado para a GQ, ele me ajuda nesse caminho de crescimento profissional.
NP: O que te inspira e tem te inspirado ultimamente?
AB: Eu sou muito versátil e muito antenada. Absorvo milhões de coisas ao mesmo tempo. De tudo eu tiro um pouco de inspiração. Assisto séries – amo Pose, por exemplo -, vejo filmes. Meu trabalho é estar sempre atualizada. Tenho consumido ultimamente muito rap nacional: Djonga, Emicida, Rael. Também ouço muito POP internacional. Para mim tudo vira referência e inspiração. Quando eu entendi que queria trabalhar com moda, sabia que não iria ficar parada. Trabalhar com moda me permite estar sempre em movimento.
NP: Como você vê o mundo da moda para as pessoas pretas?
AB: Eu nunca sofri nenhuma agressão verbal ou coisa do tipo por ser uma mulher preta, no meu ambiente de trabalho, mas sempre sou alvo de olhares “estranhos”, aquele racismo velado. Na verdade, se sou a única negra num estúdio com outras 20 pessoas, isso já é racismo. A desigualdade na moda é uma forma de racismo. Nunca trabalhei com um estilista negro, por exemplo. O mundo da moda é um mundo branco. Não é fácil você entrar nessa bolha de privilégios. Começa com a questão da educação, do acesso. Nem todos podem pagar uma faculdade tão cara como é o curso de moda. Eu tive alguns privilégios, porque meus pais sempre me ajudaram, mas não é uma carreira fácil. Sou muito grata a minha mãe e ao meu pai. Acho que se não fosse eles, talvez não estaria neste ramo.
NP: No início do ano você fez a produção da sessão de fotos da Ludmila para a Vogue Brasil, que teve ótima repercussão. Onde você quer chegar na sua carreira?
AB: Eu quero chegar num ponto em que eu me sinta confortável e feliz fazendo o que eu escolhi. Quero ser independente e quero escrever minha história. A menina que deu certo. Quero ser conhecida por todo mundo, ser referência, não apenas de estilo, mas nas minhas atitudes. Quero chegar no topo, para que outras meninas pretas me vejam e acreditem que podem chegar onde elas quiserem. Eu quero ser respeitada como mulher preta que lutou. A gente fica cansada de correr atrás, de se matar, e depois de tudo isso ter o nome escrito bem pequeno no canto de uma página. Quero mais que isso. Quero ser inspiração, porque eu não tive ninguém. Eu não conhecia nenhuma mulher negra na época em que eu entrei no mundo da produção de moda. Hoje em dia eu tenho algumas como a Suyane Ynaya, stylist e fashion editora da revista Elle e a Bárbara Louise, outra super estilista.
NP: Quais são os seus planos para o futuro?
AB: Eu sou muito determinada. Claro que às vezes eu tenho medo, mas vou e realizo com medo mesmo. A oportunidade vem e eu abraço. Um dos passos que eu quero dar na minha carreira futuramente é me mudar para São Paulo, que é onde muita coisa acontece. Mas meu próximo passo – um dos mais importantes – é no próximo ano começar a assinar minhas próprias produções como estilista. Isso ia acontecer este ano, mas veio a pandemia e adiei, mas vai acontecer em breve. Além disso, quero focar nas produções que tenham a ver com o povo preto, com minhas raízes, quero valorizar o que é nosso.
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