O artista visual Marcelino Melo, também conhecido como Quebradinha, faz sua primeira exposição individual “Etnogênese – O Que É e O Que Pode Ser”, no Museu de Arte Contemporânea de Niterói, o MAC, no Rio de Janeiro. A exposição reúne 43 obras, entre quadros, vídeos, fotografias e instalações, com curadoria de Luiza Testa, Patricia Borges e de Emicida, este último, em sua primeira incursão no mundo da curadoria.
A exposição ficará em cartaz até 24 de novembro, dividida entre o prédio principal do MAC Niterói e a sua unidade localizada no Morro do Palácio, o MACquinho. “Etnogênese” também vai se relacionar com a comunidade e propor ações educativas para os moradores. Na abertura, será apresentada uma performance inédita concebida por Marcelino Melo, que começará no MACquinho e irá em direção ao museu.
Do lado de fora, haverá também uma grande instalação convidando o público a conhecer o universo das periferias apresentado pelo alagoano de 30 anos, nascido em Carneiros, cidade de apenas 8 mil habitantes no sertão de Alagoas e radicado em São Paulo.
Marcelino ganhou o apelido de Quebradinha por produzir um trabalho que remonta à arquitetura da favela. A partir da adesão do termo etnogênese, sua pesquisa ganha novas camadas e novas faces. Se debruçando, então, sobre o termo acadêmico, ele cria uma nova série de obras, que serão apresentadas pela primeira vez na exposição:
“A ideia era chegar na definição visual do que seria a etnogênese, a partir das periferias. As pessoas vão conhecer de perto um trabalho que elas já sabem que existe, no entanto, com uma nova proposta, em direção ao lúdico, ao afetivo, à memória e à territorialidade, não só das favelas, mas do interno, do que nos habita”, afirma Marcelino.
Como o artista vê a etnogênese
O termo antropológico etnogênese é utilizado de diversas formas no universo acadêmico, a mais comum é para se referir a um processo de insurgência de novas identidades étnicas ou de ressurgimento de etnias já reconhecidas, pelo qual um grupo humano começa a ver-se a si próprio ou a ser visto pelos outros como um grupo étnico distinto.
“Eu chego nessa palavra, a partir da busca por uma estética menos subjetiva do que as casas, com que eu já trabalhava. As casas falam de violência de uma forma muito sutil. Na etnogênese, eu quero explorar a figura do corpo que habita esses territórios, a visualidade desses corpos. Isso faz com que o trabalho se liberte da narrativa que já existe, para que se criem novas”, afirma.
Nas obras da nova série, pessoas em favelas usam máscaras em formato de casa e a favela ganha, assim, vida e formato humano, transformando-se num ser que vem do barro, o que o artista vem chamando de faces.
“É como se as casinhas fossem o casulo e o casulo abrisse e surgissem esses personagens que vou apresentar agora em diversos formatos. Com a etnogênese, eu trago esse ser, feito de barro, essa representação do ser periférico”, revela Marcelino.
Sobre a escolha de um termo acadêmico para representar um trabalho tão real e popular, a curadoria relata:
“Como curadores dispostos a alcançar um público que não necessariamente é assíduo em museus, decidimos não subestimar essa população. Sabemos que, se fizermos nosso trabalho bem feito, conseguiremos ajudar Marcelino a popularizar o termo ‘etnogênese’ e a criar uma identificação entre as pessoas e as obras. Esperamos que o público, de forma geral, se veja representado e refletido nessa exposição”, diz a curadora Luiza Testa.
Emicida faz sua primeira imersão no mundo das Artes Visuais
Convidado por Patricia Borges e Luiza Testa para ser um dos curadores da exposição, Emicida e Marcelino se conectaram de imediato.
“Eu e o Leandro (Emicida) somos amigos há muitos anos e sempre tivemos essa troca em relação à arte. Foi ele quem me apresentou o trabalho do Marcelino depois de ver uma obra exposta no CCSP. A partir daí, conheci o Quebradinha e começamos a trabalhar juntos. A sintonia entre os dois é muito grande e não existiria pessoa melhor que o Emicida para estar com a gente nessa exposição”, afirma Patricia.
Já Emicida vem aprendendo com as curadoras, com Marcelino e espera criar um ambiente provocativo para novas reflexões:
“Sinto que meu papel aqui é ajudar em tudo o que for possível para que possamos fazer a experiência da exposição ser linda, provocativa, contemporânea fugindo de qualquer clichê. Marcelino já tem uma arte que conversa com um mundo que está além das galerias e museus, talvez nossa luta aqui seja criar uma bela intersecção entre esses dois mundos, com toda a verdade de ambos, que faça as pessoas saírem da exposição se perguntando se favelas já não deveriam estar nos museus, em todos os sentidos”, diz.
A música também é parte das referências e inspirações de Marcelino para a criação da nova série, pois durante o processo de pesquisa, ele mergulhou de cabeça no universo de artistas como Chico Science, Nação Zumbi e Racionais MCs. A ideia de confluência de Nego Bispo, a literatura de Carolina Maria de Jesus e a canção “Zé do Caroço”, de Leci Brandão, nome que ainda dá título a uma das obras, também compõem o universo de inspirações do artista.
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