Espetáculo “Não corre, menino!”, que aborda violência policial sobre corpos pretos no Brasil, estreia no Rio

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Reconstituindo vivências dolorosas através da arte, gerando reflexão e almejando mudanças. Assim nasceu “Não corre, menino!”, espetáculo autoral da Cia Nosso Olhar (SC) com dramaturgia e atuação de Leandro Batz. Dirigido por Nataly Delacour e com co-direção de Wallace Almeida, a peça estreia dia 05 de setembro às 19h no Teatro II do SESC Tijuca, no Rio de Janeiro.

Contemplada pelo Edital de Cultura Sesc RJ Pulsar 2023/2024, cumprindo temporada no local até o dia 29 de setembro, a montagem conta a história de Eduardo da Silva Santos, menino negro de 11 anos que foi alvo de uma bala perdida. Trazendo à tona a reflexão sobre o racismo contra os corpos negros no Brasil, país onde a cada 12 minutos uma pessoa negra é assassinada, o monólogo nos leva a acompanhar a rotina de uma criança negra que tem sua vida rabiscada pela violência policial – e chama atenção especialmente para a violência contra as crianças negras e periféricas.

Leandro Batz no espetáculo “Não Corre, Menino!” /Foto: Mauricio Garcias

A história é marcada pela luta pela sobrevivência, identidade racial e social, mas também é a história de uma criança e a sua relação com a família onde, apesar da vida simples e sem luxo, existia amor. Quando o personagem Eduardo se torna um alvo, ele se lembra do pai, que era músico – uma homenagem a Evaldo, músico negro que durante um passeio com a família em 2019, foi alvejado por 257 tiros de fuzil do Exército Brasileiro, tendo seu carro atingido por 62 disparos, e morreu na hora.

E, mesmo que o personagem, uma criança, não tenha um pensamento engajado politicamente, ele fez uma das coisas mais importantes a serem feitas: Eduardo canta o amor. “E isso também é fundamental, essa é a parte da obra que gostaríamos que não fosse apenas ficção”, pondera a diretora Nataly.

A dramaturgia nasceu em 2020, em plena pandemia, através de um exercício de escrita da Cia Nosso Olhar sobre a infância negra. No auge da pandemia, enfrentando dificuldades para ensaiar o espetáculo, o texto foi montado através de ensaios remotos.

Nós enfrentamos tantas dificuldades para ensaiar, que meu pai, Telio Batista, construiu uma sala de teatro no quintal de casa para que pudéssemos trabalhar nesse espetáculo. Nós batizamos essa sala de Espaço Télio B, fica no Morro da Mariquinha, em Florianópolis. Em fevereiro de 2021, estreamos de forma virtual no Festival Felino Preta (SP)”, relembra Leandro, cujo processo para escrever esta narrativa foi lembrar de um ato truculento que a polícia militar de Florianópolis produziu com um de seus irmãos.

Num sábado de manhã, fazíamos compras eu, meu irmão, minha mãe e uma tia. Precisávamos ligar pro meu pai em um telefone público (orelhão), e eu e meu irmão corremos em direção ao telefone. Uma viatura da polícia militar apareceu no meio do calçadão e jogou o carro em direção ao meu irmão, que foi jogado com os braços abertos em cima do capô do carro tendo uma arma apontada pra sua cabeça. Mediante os gritos desesperados de minha mãe e minha tia, os policiais alegaram que uma pessoa de amarelo havia roubado uma loja. Meu irmão, uma criança negra de 12 anos, vestia um casaco da mesma cor. Para a polícia militar brasileira, menino preto correndo é bandido”, rememora.

Essa lembrança, misturada com a quantidade de pessoas negras assassinadas em plena pandemia, foi o estopim para a escrita do texto, que se tornou uma peça teatral no mesmo ano em que foi escrita. O solo já foi assistido por mais de 4.000 pessoas no Brasil e no exterior, tendo participado de diversos festivais nacionais e internacionais. A montagem recebeu o Prêmio Aldir Blanc (2021) e Prêmio Elisabete Anderle de Estímulo à Cultura (2022), sendo ainda um dos 10 espetáculos catarinenses selecionados para catálogo da Quadrienal de Praga, o maior evento dedicado à arte da cenografia no mundo. Embora seja uma obra dolorosa, a montagem também é uma peça de esperança, de futuros possíveis.

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