O Banco do Brasil (BB) foi notificado pelo Ministério Público Federal (MPF) sobre a abertura de um inquérito civil, na última semana. A ação inédita no país até então, investiga o envolvimento do banco na escravidão e no tráfico de escravizados, no século 19. O inquérito é fruto de pesquisa feita por 14 historiadores de 11 universidades.
A ação visa iniciar um movimento de cobrança por reparação histórica das instituições brasileiras que participaram ou fomentaram a escravidão no Brasil. Em entrevista ao podcast ‘Assunto’, do G1, na última segunda-feira (02), o historiador Clemente Penna, um dos envolvidos no trabalho, explicou um dos objetivos do inquérito. “A gente espera que essa ação, que essas pesquisas, que a utilização dessas pesquisas para embasar a ação, elas sirvam, de fato, para fomentar esse debate e que não silencie essa história mais“.
O historiador da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e da Fapesc, Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação do Estado de Santa Catarina, também explicou que a maneira como o sistema financeiro operava no período, era na base do crédito, porque se tinha pouco dinheiro em circulação de moeda oficial.
Os historiadores pesquisaram e relacionaram o BB, com a economia escravista.De acordo com a pesquisa, uma das ligações do banco com a escravidão é que, José Bernardino de Sá, tido como um dos maiores traficantes de escravizados da época, foi um dos fundadores e acionistas do Banco do Brasil.
De acordo com Clemente, em entrevista, a ação tem a intenção também de conscientizar as instituições do peso da escravidão.
“O que a gente tenta na ideia da responsabilização é um pouco também que as instituições reconheçam que existe um peso muito forte da escravidão no estabelecimento de todas essas instituições“, complementa.
Segundo a apuração da BBC Brasil, que deu a notícia e primeira mão, três procuradores aceitaram a sugestão e elaboraram uma ação para que o banco reconheça e seja investigado pelas ações durante o período escravista.
A ação reivindica o financiamento de pesquisas acadêmicas sobre o assunto e subsídio para projetos de reparação e políticas públicas para a população negra.
“A compra e venda de um escravizado gera uma letra de câmbio, uma nota promissória, todos os títulos negociáveis de crédito que são trocados no mercado quase como dinheiro e quando um título desses não é pago, quem garante quem não vai haver calote naquela dívida é a existência do capital que tá no ser humano escravizado, então é o dinheiro da escravidão que garante a circulação de dinheiro na praça”, afirmou o historiador analisando o sistema financeiro da época.
Posicionamento do banco
Em nota ofical enviada ao Notícia Preta, o Banco do Brasil se pronunciou sobre o caso. “O Banco do Brasil considera que a história do país e suas relações com a escravidão das comunidades negras precisam ser um processo de reflexão permanente. Em relação à reparação histórica, o BB entende que essa é uma responsabilidade de toda a sociedade“, começa a nota.
O banco continua relatando como a instituição está se comprometendo com a pauta racial.
“O Banco do Brasil tem sido uma das empresas brasileiras que mais tem contribuído nesse sentido. Em julho deste ano, o BB assinou Protocolo de Intenções com o Ministério da Igualdade Racial, a fim de unir esforços em ações direcionadas à superação da discriminação racial, à inclusão e à valorização das mulheres negras, com o objetivo de fixar e promover: o ingresso de jovens negras no mercado de trabalho; a valorização de iniciativas e produções de mulheres negras, sobretudo aquelas que se referirem a projetos culturais; ações de fomento ao empreendedorismo e fortalecimento de micro e pequenos negócios de mulheres negras; – o estímulo à ocupação equilibrada de espaços de lideranças no BB, considerando o respeito à diversidade étnica e de gênero; – apoio mútuo e intercâmbio de experiências no sentido de ampliar as políticas afirmativas internas de raça e gênero, trazendo uma perspectiva interseccional às iniciativas em curso ou a serem realizadas no BB“.
A instituição também afirma que Em agosto deste ano, o Banco do Brasil tornou-se embaixador dos movimento “Elas lideram 2030”, “Raça é Prioridade” e “Salário Digno”, partes do movimentos de Direitos Humanos da Rede Brasil do Pacto Global da ONU. A nota afirma que no mesmo mês o BB foi selecionado para compor a carteira do índice de diversidade da B3 (iDiversa B3).
“O BB ocupa lugar de destaque, com maior peso na composição do índice, pois possui um dos conselhos de administração mais diversos do mercado, composto por 50% de mulheres e 25% de pessoas autodeclaradas negras”. O Banco do Brasil também destacou a renovação de uma parceria com a Universidade Zumbi dos Palmares, assinada pela primeira vez em 2018.
“O Banco do Brasil assinou a carta de adesão à Iniciativa Empresarial pela Igualdade Racial, que é um movimento formado por empresas e instituições comprometidas com a promoção da inclusão racial e a superação do racismo no ambiente corporativo e em toda a sua cadeia de valor. Como empresa que busca promover a igualdade racial, o Banco do Brasil está à disposição do Ministério Público Federal para continuar protagonizando e envolver toda a sociedade na busca pela aceleração do processo de reparação”, finaliza.
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