A cada 24 horas, ao menos oito mulheres foram vítimas de violência em 2023, em oito dos nove estados monitorados pela Rede de Observatórios da Segurança (BA, CE, MA, PA, PE, PI, RJ, SP). O dado é revelado no novo boletim Elas Vivem: liberdade de ser e viver, que será divulgado no dia 7 de março. Ao todo, foram registrados 3.181 casos, representando um aumento de 22,04% em relação a 2022, quando Pará e Amazonas ainda não faziam parte deste monitoramento.
A quarta edição do relatório Elas Vivem comprova que, no Brasil dos direitos humanos e da Lei Maria da Penha, ainda é difícil ser mulher. Ameaças, agressões, torturas, ofensas, assédio, feminicídio. São inúmeras as violências sofridas que não começam ou se esgotam nas mortes registradas.
Os dados monitorados apontaram 586 vítimas de feminicídios. Isso significa dizer que, a cada 15 horas, uma mulher morreu em razão do gênero, majoritariamente pelas mãos de parceiros e ex-parceiros (72,70%), munidos de armas brancas (em 38,12% dos casos), ou municiados por armas de fogo (23,75%).
Desde 2020, a Rede de Observatórios traz à tona os números que representam as vidas de mães, irmãs, tias, sobrinhas, amigas, colegas de trabalho e tantas outras mulheres que foram ou continuam sendo subjugadas e vitimizadas por uma força que não aceita sua liberdade de ser e viver.
Além disso, a instituição reforça que não existe combate à violência sem pesquisa e investigação. As políticas públicas são capazes de evitar violências e preservar vidas. Muitas mulheres vitimadas poderiam ter sido salvas, assim como os ciclos de violência interrompidos, se houvesse uma intervenção efetiva de um Estado que insiste em negligenciar os dados e dificultar o caminho das vítimas.
“São as memórias que sustentam o grito entalado de indignação e a cobrança por justiça. A mobilização contra o feminicídio e outras formas de violência salva vidas. Nós já perdemos mulheres demais, e ainda perderemos. É a denúncia incansável que preservará a vida de tantas outras”, disse a jornalista Isabela Reis, que assina o principal texto desta edição do relatório.
O novo boletim ampliou a área de monitoramento. Pela primeira vez, o Pará está entre as regiões mapeadas, ocupando a quinta posição no ranking entre os oito estados, com 224 eventos de violência contra mulheres. No contexto da Região Amazônica, estão as desigualdades sociais e o garimpo, que agravam essas dinâmicas violentas.
Os dados em cada uma das oito regiões mostram São Paulo como o único estado a ultrapassar mil eventos de violência – um aumento de 20,38% (de 898 para 1.081). Em seguida vem o Rio de Janeiro, que cresceu 13,94% (de 545 para 621). Entretanto, o Piauí é o estado que registrou a maior taxa de crescimento: quase 80% nas violências de gênero em um ano (de 113 para 202).
Também no Nordeste, com 319 casos de violência, Pernambuco tem o maior número de feminicídios (92). A Bahia lidera em morte de mulheres na região (199), o Ceará é o principal em transfeminicídios (7) e o Maranhão lidera os crimes de violência sexual/estupro (40 ocorrências).
A violência de gênero nos oito estados monitorados
Bahia
Com 368 casos – uma vítima por dia –, o estado registrou em 2023 um crescimento de 16,46%. 41,30% dos casos não tinham a informação da idade das vítimas disponíveis (152 mulheres). Salvador concentra o maior percentual das violências: são 110 mulheres vitimadas, 80 a mais que Feira de Santana, na segunda posição com 30. Também foram registrados 70 feminicídios em todo o estado – 40 deles por arma branca –, sendo 20 deles na capital. A Bahia é líder entre os oito monitorados nos homicídios de mulheres, com 129 ocorrências (mortes não classificadas como feminicídios).
Ceará
No comparativo entre os anos 2022 e 2023, o Ceará teve um crescimento de 6,21%, registrando dez casos a mais (171). Destaque para o maior número de feminicídios em seis anos no estado (42 casos), somado a 55 tentativas de feminicídio. A capital Fortaleza teve o maior número de vítimas de feminicídio: 11 mulheres. É, no Nordeste, a região com mais casos de vitimização de pessoas trans e travestis (7).
Maranhão
Dos 195 eventos violentos registrados, foram 38 feminicídios e, a exemplo dos outros estados, a maioria dos autores de crimes foram parceiros ou ex-parceiros (28 ocorrências). São Luís foi o município com os maiores registros: 34 vítimas de violência, sendo 7 feminicídios. Os números revelam que o estado lidera no Nordeste em casos de violência sexual/estupro, com 40 ocorrências.
Pará
No primeiro ano sendo parte do boletim, o Pará se apresenta na quinta posição do perverso ranking dos eventos de violência contra mulheres, com 224 casos. Os municípios de Parauapebas (32), Belém (23), Santarém (16) e Marabá (14) são as regiões acima de dez registros de violência. Além disso, foram monitoradas 110 tentativas de feminicídio e 43 feminicídios – 20 deles cometidos com arma branca, e em 51,16% dos casos não foi registrada a informação sobre idade.
Pernambuco
Os 319 casos de violência fizeram Pernambuco registrar um significativo aumento de 41,78% em um ano. O estado ocupa o primeiro lugar em feminicídios entre as regiões monitoradas do Nordeste, com 92 casos – 34,38% com arma branca e 62 casos cometidos por parceiros ou ex-parceiros.
Também teve o maior número de vítimas de feminicídio da região mortas com armas de fogo (28 registros). Entre os municípios, Garanhuns ficou na liderança dos registros de violência (44), seguido de Recife (40). A capital, por sua vez, liderou os números de feminicídio, com 10 casos.
Piauí
É o estado que registrou maior crescimento nos crimes ligados a gênero, com um aumento de 78,76% (de 113 casos para 202). Foram 83 tentativas de feminicídios e 28 feminicídios, totalizando 111 vítimas no estado, com Teresina registrando o maior número de mulheres vitimizadas (6).
Em 19 oportunidades, os crimes foram de autoria de parceiros e ex-parceiros. Os eventos de violência também foram dominantes na capital, com 77 ocorrências, sendo 62 a mais que Parnaíba, na segunda posição com 15 vítimas.
Rio de Janeiro
O Rio quase dobrou os números de violência contra mulheres em quatro edições do relatório Elas Vivem – de 318 casos em 2020 para 621 em 2023. Foram 99 casos de feminicídios no estado. A capital concentrou os maiores registros: 206 vítimas, sendo 35 feminicídios.
Destacam-se o maior número de mulheres mortas por arma de fogo (30) – ao contrário dos demais estados, que tiveram crimes majoritariamente praticados com armas brancas – e o maior número de feminicídios praticados por agentes do Estado (4).
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São Paulo
São Paulo é a única região monitorada com mais de mil eventos violentos contra mulheres em 2023. Foram 1.081 casos, um aumento de 20,38% em relação ao ano anterior. Entre as vítimas de violência com registro etário, 232 mulheres tinham de 18 a 29 anos – 352 não tiveram essa informação disponibilizada.
Além disso, o estado registrou 482 tentativas de feminicídio e 174 feminicídios – 160 deles cometidos por companheiros e ex-companheiros e 83 usando arma branca. A capital teve os maiores registros: 173 eventos de violência, sendo 26 feminicídios.
Acesse o boletim Elas Vivem: liberdade de ser e viver aqui.
Para entender a tipificação dos casos, acesse o dicionário de divulgação aqui.
Os dados completos podem ser acessados aqui.