A presidente da Associação das Comunidades Quilombolas do Estado do Rio de Janeiro (Acquilerj), Bia Nunes, defendeu nesta quinta-feira (25) a garantia do lugar de fala dos quilombolas, e que as pessoas dessas comunidades possam ser ouvidas. “A gente escuta de muitos que não são quilombolas muito romantismo e a gente precisa dizer qual é a realidade do que está acontecendo”, disse.
Bia Nunes, que é graduada em gestão pública com pós-graduação em história da África e serviço social, afirmou que a juventude quilombola busca o seu lugar na universidade e a qualificação profissional, mas a questão da educação ainda enfrenta barreiras e por isso não avança.
“Nós temos algumas comunidades com escolas que funcionam dentro da comunidade que até são chamadas de escolas quilombolas, mas as práticas, as didáticas das escolas da rede curricular não são pedagogicamente quilombolas”, criticou.
A presidente, que é do Quilombo Maria Conga de Magé, na Baixada Fluminense, afirmou que a situação chegou a um ponto em que não se pode mais permitir a continuidade dessa situação, porque a luta pela conquista dos territórios onde vivem é muito grande. Um dos desafios, segundo ela, é que, apesar de existir uma legislação sobre reconhecimento e demarcação de terras, na realidade, isso não se aplica.
“No Brasil, oficialmente, somos 6 mil comunidades, oficialmente, porque ainda temos dificuldade de conseguir avançar na identificação. A política pública não caminha junto conforme está escrito na lei”, disse, durante a roda de conversa Vida Quilombola: Significado de lutas pela Liberdade e pela Terra no Festival Back2Black, que começou nesta quinta-feira no Armazém da Utopia, no Boulevard Olímpico, região portuária do Rio.
Segundo Bia Nunes, no Rio de Janeiro, das 53 comunidades quilombolas do estado, 48 são certificadas, mas apenas três têm a titulação das terras. “A dificuldade da população quilombola ainda é muito grande. A nossa defesa do território e de tudo que é relacionado a nossa cultura e tradição ainda é dentro de um contexto de muita luta. Ainda temos muita liderança quilombola com arma na cabeça”, disse ela, ao se referir à falta de segurança nessas comunidades.
A vacinação contra a covid-19 foi outro fator de dificuldade enfrentado pela população quilombola, como também as populações ribeirinhas e indígenas. “Quem ouviu falar que as populações estavam recebendo as vacinas não tem noção do terror que passamos dentro das nossas comunidades”, disse Bia Nunes.
Na roda de conversa, ela também falou sobre questões relacionadas à falta de infraestrutura nas comunidades. Ela lembrou a dificuldade do Quilombo Pedra Bonita, na zona sul do Rio, que não tem nem abastecimento de energia.
“Quem visita a comunidade e faz turismo durante o dia não imagina como é durante a noite. É disso que estamos falando. Quando a gente fala de não romantizar a nossa história é porque precisamos que a sociedade brasileira venha para dentro da discussão entendendo o que de fato está acontecendo dentro desses territórios”, completou Bia.
Também na roda de conversa, a engenheira agrônoma e pesquisadora do Grupo de Trabalho em Meio Ambiente e Agricultura da Coordenação Nacional de Articulação de Quilombos do Mato Grosso (Conaq-MT), Fran Paula, informou que o Quilombo Campina de Pedra, no município de Poconé (MT), onde vive, recebeu nesta semana a titulação da terra. “A primeira comunidade quilombola titulada no estado de Mato Grosso” comemorou.
A engenheira agrônoma disse que isso foi resultado de muita luta. “Os nossos agradecimentos são para nós do movimento. Se temos avançado e conseguido é pelo esforço e pela nossa resistência. Meus agradecimentos ao movimento quilombola, à Conaq, às organizações do movimento negro por não desistirem, por resistirem e a gente vai seguir em frente”, disse, acrescentando que agora os conflitos com os fazendeiros da região devem aumentar. “A gente ao mesmo tempo comemora e fica preocupado com a nossa segurança”.
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Para a diretora da Juventude na Acquilerj, Rafa Quilombola, do quilombo Botafogo de Cabo Frio, na Região dos Lagos, o importante para a sua população é garantir o território e junto com ele a segurança. “Não existe a nossa história sem um território. Nos tiraram da mãe África, nos sequestraram de mãe África, nos trouxeram para cá para escravizar e construir este Brasil e a gente não tem direito à terra?”, questionou.
Abertura
O encontro foi aberto com uma oferenda a Iemanjá e a Oxum com dois balaios que tinham flores, frutas e perfume de alfazema, comandada por Pai Geo, do Terreiro Ilê Axé Jitolobí da Bahia, e uma apresentação da Cia de Mystérios e Novidades. O grupo trouxe bailarinos em pernas de pau. No centro, uma bailarina representava Iemanjá cercada de marinheiros e todos entoavam cantos acompanhados de percussão. “Como esse evento é de cultura preta e de homenagem a nossa religiosidade e nossa ancestralidade a gente está homenageando Oxum e Iemanjá, porque Oxum e Iemanjá são a água e a água é vida”, disse Pai Geo.