Pataxós reivindicam terras e sofrem ameaças

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Cerca de 50 famílias, do povo Pataxó, realizaram a retomada de um trecho, da Terra Indígena Comexatiba Cahy Pequi, que se sobrepõe a 2 fazendas, na cidade de Prado, na Bahia (BA). Desde que estabeleceram ocupação na área, em 3 de agosto, os povos originários relatam terem enfrentado, pelo menos, 3 ameaças, provenientes do grupo ruralista, o “Invasão Zero”“Hoje a gente se sente em total insegurança por estarmos no nosso território tradicional originário”, relata Antônio, líder Pataxó, ameaçado de morte.

O grupo denominado “Invasão Zero”, está sob investigação da Polícia Civil da Bahia, por suspeitas de operar como uma milícia rural, contrária às ocupações de terra. A área que foi retomada pelos originários, está situada no distrito de Cumuruxatiba, uma localidade turística, conhecida por suas praias, e resorts de luxo, além de grandes propriedades destinadas à pecuária e à monocultura.

Nega Pataxó.
Foto: Thiago Gomes

“A violenta especulação imobiliária das partes invadidas de nossas terras indígenas que vêm sendo barganhadas nos balcões de negócios, dentro e fora do povoado, através da internet, nos mercados imobiliários, está nos transformando em prisioneiros em nosso próprio território. E isso não pode continuar”, relata a comunidade Pataxó, em uma das duas cartas abertas lançadas

Conforme o documento apresentado, os originários afirmam que, a área em questão pertence à aldeia Kaí, e está sobreposta por 2 fazendas: Portal da Magia e Fazenda Imbassuaba, ambas situadas próximas à Escola Estadual Indígena Pataxó Kijetxawê Zabelê. Essas propriedades são apenas 2, das 78, mencionadas no ​Relatório Circunstanciado de Identificação e Delimitação da Terra Indígena (RCID), da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), que se encontram dentro da T​erra indígena Comexatib​a Cahy Pequi.

“Há cerca de uma década [Neugebauer] surgiu como grande fazendeiro em Prado e região. Só em Cumuru já comprou pelo menos quatro fazendas à beira-mar – entre a aldeia Kaí, no Imbassuaba e a ​Foz do Rio Kaí (inclui áreas sobrepostas à T​erra indígena, nas pontas das falésias que coroam as praias: Imbassuaba, Arnaldo e Moreira)”, descreveram os originários, em carta.

O empresário Ernesto Ary Neugebauer, proprietário da Danke Cacau, é mencionado no documento da autarquia federal, como dono da Fazenda Imbassuaba. Contudo, Neugebauer anunciou que possui outra propriedade na área, chamada “Horto do Sol”, mas não é proprietário da Fazenda Imbassuaba, assim como não tem conhecimento de sua citação no ​Relatório Circunstanciado de Identificação e Delimitação da Terra Indígena (RCID)​ da T​erra I​ndígena Comexatiba

Por outro lado, a Fazenda Portal da Magia inclui, na sua estrutura societária, 2 holdings de empresas imobiliárias italianas, e tem Andrea Borghesi, como seu administrador. Entretanto, no relatório da Funai, é Andrea Antoniolli, que figura como proprietário da fazenda. 

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A retomada é uma resistência contra a “privatização” do território. O Estado reconheceu, oficialmente, que a área de 28 mil hectares ​de terras tradicionais do povo Pataxó, com a publicação do RCID em 2015, mas o processo de demarcação encontra-se estagnado desde então, sem que qualquer ocupante tenha sido removido da terra indígena.

“Tiraram o acesso antigo, por onde os indígenas e pescadores mais velhos iam para a praia. Colocaram em outro local e a gente ficou sem poder pegar nossos mariscos e pescados. A aldeia fica muito próxima, foi a principal impactada e vai ser mais ainda caso construam aqui condomínios e resorts”, ressaltou a liderança originária.

“Exaustos de aguardar”, conforme mencionado na carta, os Pataxó têm se apropriado de suas terras, por conta própria, desde o ano 2000, em um processo que eles denominam autodemarcação. Os indígenas relatam que a retomada, realizada no começo de agosto, foi provocada pelo fechamento, por parte dos fazendeiros, da última estrada que levava à praia Imbassuaba

Os Pataxó afirmam que o acesso à praia do Moreira já havia sido bloqueado, por ordem de Neugebauer, que teria criado uma nova passagem, em outra localização. Ernesto Ary Neugebauer declarou que, a pedido dos pescadores da comunidade dos Guedes, estabeleceu uma nova rota para a Praia Moreira, por onde agora as ambulâncias podem transitar. Ao ser questionado sobre o fechamento de outro acesso, Neugebauer respondeu que sua propriedade é uma falésia.

O posicionamento dos dois lados

Na sexta-feira (8), o presidente da Associação do Agronegócio do Extremo Sul Baiano (Agronex), Mateus Bonfim, foi ao local retomado, acompanhado de outros homens. Segundo relatos dos orignários, eles seriam pistoleiros, associados ao grupo Invasão Zero, que se originou em Prado, e está sob investigação, entre outros crimes, pelo assassinato de Maria de Fátima Muniz, a Nega Pataxó, em janeiro de 2024.

Logo em seguida, os membros da Agronex foram apoiados por 2 viaturas da Polícia Militar da Bahia. “Chegaram esses caras todos armados. Foram na barraca de uma das lideranças intimidando, ameaçando atirar. Queriam colocar a gente de toda forma para sair”, narra Antônio. “Foram impedidos pela chegada da Força Nacional”, relata ele.

Mateus Bonfim, que se candidatou à prefeitura de Itamaraju (BA), em 2024, confirmou que compareceu ao local “junto ao proprietário”, e negou ter ligação com o “Invasão Zero”. “Agentes da Força Nacional chegaram em seguida, fizeram abordagem padrão e constataram que não havia armas conosco. Um produtor foi agredido por um invasor com um pedaço de madeira, eles atiraram duas flechas contra nós na frente da Força Nacional, nos ameaçaram e nós em nenhum momento ameaçamos eles”, relatou Bonfim.

O Ministério da Justiça informou que “a Força Nacional realizava patrulhamento ostensivo na região quando foi acionada para apoiar a mediação de uma negociação entre funcionários de uma fazenda e indígenas.” Os agentes informaram que o caso foi solucionado “de forma pacífica”. Antes disso, no dia 4 de agosto, os Pataxó​s relataram que um motociclista armado passou pelo terreno. No dia 6, ​3 dias após a ocupação da área, pelos ​povos originários, eles afirmam ter​em sido alvos de disparos.

“Tinha um grupo de mulheres sentadas na fogueira junto com anciões e estes homens desferiram tiros, ainda bem que não pegou em ninguém. “Não podemos ficar sossegados onde nós sempre vivemos, onde nossos mais velhos sempre estiveram. E aí quando reivindicamos, colocam pistoleiros na nossa ‘pisa’, é muito complicado. Este grupo está ligado à Invasão Zero”, relatou Antônio, o líder Pataxó.

Cacique Suruí Pataxó.
Foto: Tiago Miotto/Cimi

Os conflitos por terra, no extremo sul da Bahia, têm sido caracterizados por episódios de violência letal contra as comunidades originárias, especialmente os Pataxó. Antes do caso de Nega Pataxó, um dos incidentes mais notórios foi a morte de Gustavo Pataxó, um adolescente de 14 anos, atingido por um tiro de fuzil na nuca. O ataque de pistoleiros ocorreu em 2022, em uma outra área retomada da mesma Terra Indígena Comexatiba.

Naquela ocasião, os Pataxó já haviam denunciado a presença de uma milícia anti-indígena na região. O Ministério Público Federal (MPF), e a Defensoria Pública da União (DPU), ingressaram com uma ação civil pública, contra o estado da Bahia, alegando que 3 Policiais Militares, envolvidos no caso de Gustavo, estavam atuando como “seguranças privados” a serviço de um fazendeiro.

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No ano de 2023, 2 jovens residentes da área de recuperação na Terra Indígena Barra Velha do Monte Pascoal, Nauí Brito de Jesus, de 16 anos, e Samuel Cristiano do Amor Divino, de 25 anos, perderam suas vidas, na rodovia BR-101. Em março de 2025, Vitor Braz, um originário que também habitava essa terra, foi assassinado a tiros. No dia seguinte, uma residência na aldeia Monte Dourado, localizada na T​erra Indígena Comexatiba, foi incendiada.

Embora os indígenas tenham solicitado a presença de forças de segurança desde a morte de Gustavo, foi a indignação gerada pelo assassinato de Braz, ocorrido dois anos depois, que resultou na atuação da Força Nacional na área, a partir de abril. No dia 4 deste mês, outro originário, João Celestino, de 50 anos, foi atingido por disparos no abdômen, em um novo ataque perpetrado por homens armados, ​em Comexatiba. Apesar de ser encaminhado ao hospital, ele faleceu 2 dias depois.

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No dia 2 de julho, a Força Nacional efetuou a prisão do Cacique Suruí Pataxó, da aldeia Barra Velha, sem mandado judicial. Ele está sendo acusado de posse ilegal de armas. Apesar das ameaças de violência, e da possibilidade de criminalização, os Pataxó​s afirmam em uma carta aberta que decidiram reocupar uma nova área, que se sobrepõe a duas fazendas, devido à “situação ter se tornado insustentável”.

O Conselho de Caciques da T​erra Indígena da Barra Velha, do Monte Pascoal, divulgou uma nota, na qual descreve essa ação, tomada pelos povos originários Pataxó, como “arbitrária, injusta e premeditada”, destacando que possui “motivações claramente políticas e persecutórias em relação a uma liderança engajada na defesa dos direitos dos povos indígenas”.

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Púrpura Santana

Púrpura Santana

Púrpura é uma multiartista paraibana, escritora, atriz e roteirista, que traz consigo um domínio peculiar sob as palavras.

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