O Museu Afro Brasil, instituição da Secretaria da Cultura, Economia e Indústria Criativas do Estado de São Paulo, dá continuidade ao programa Acervo em Perspectiva, uma iniciativa que propõe novos olhares sobre seu acervo por meio de exposições temporárias e experimentais. A nova mostra será inaugurada neste sábado (24), às 11h, com entrada gratuita na data de abertura.
Mais do que apenas expor, o programa convida o público a mergulhar na trajetória institucional do museu e nas múltiplas leituras que seu acervo pode oferecer. Por seu caráter experimental, Acervo em Perspectiva estimula exercícios curatoriais livres, capazes de gerar novas ideias e interpretações, à medida que os arranjos expográficos são reorganizados, promovendo diálogos entre obras históricas.

Em sua segunda edição, a exposição reúne obras dos artistas Eustáquio Neves (Juatuba, MG, 1955) e Zimar (Matinha, MA, 1959), este último com produção recentemente incorporada ao acervo do museu. A mostra propõe um encontro potente entre linguagens distintas, mas igualmente comprometidas com a experimentação, a artesania e a investigação sobre memória, corpo e território.
Fotógrafo mineiro com formação em Química Industrial, Eustáquio Neves desenvolve uma poética visual que rompe os limites da fotografia tradicional. Manipula negativos analógicos com processos químicos e intervenções manuais, como pintura e desenho, criando imagens densas, texturizadas, que evocam a materialidade da memória. Essa abordagem artesanal confere à sua obra um aspecto quase escultórico, em que as camadas visuais também são camadas de tempo, dor e resistência. Em séries como O Encomendador de Almas (2006–2007), Eustáquio retrata figuras fundamentais da cultura afro-brasileira, como Seu Crispim — mestre vissungueiro e embaixador do Catopê em Milho Verde (MG) —, reafirmando o valor da oralidade, do rito e das tradições populares como patrimônios vivos.
Do outro lado, Zimar apresenta suas impressionantes caretas de cazumbás — máscaras feitas com materiais reaproveitados, como capacetes, ossos, papel machê e borracha, que dão forma a figuras enigmáticas do Bumba meu boi maranhense. Brincante e artesão, o artista transforma resíduos em seres fantásticos, com mandíbulas móveis, traços exagerados e expressões que subvertem a lógica do belo.
“Quanto mais feio, melhor”, afirma, ao fazer do grotesco uma linguagem poética. Longe do acabamento idealizado, suas obras celebram o imperfeito, o híbrido, o que está em constante mutação. O fogo — ferramenta de moldura e marcação dos materiais — imprime nas máscaras a memória física da transformação. Sua produção ganhou projeção nacional, com exposições em instituições como o Centro Cultural Vale Maranhão, Museu Nacional da República, MAR – Museu de Arte do Rio, MAM São Paulo, entre outras.
Acervo em Perspectiva evidencia, assim, como o rearranjo das coleções pode abrir espaço para encontros inesperados e interpretações inéditas. Entre imagens queimadas e máscaras em chamas, a exposição convida o público a refletir sobre as formas como a arte é capaz de reencantar os mundos, traçar memórias coletivas e tensionar os limites entre rituais, linguagens e territórios.
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