Massacre de Eldorado dos Carajás: “o sentimento é de impunidade”, diz líder do MST no Pará

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Nesta quarta-feira (17), completa-se 28 anos do Massacre de Eldorado dos Carajás (PA), uma das chacinas mais violentas do Brasil envolvendo questões agrárias e fundiárias. Cerca de 19 trabalhadores sem-terra foram assassinados por policiais militares na Curva do S, na PA-150, em Eldorado, cidade situada no sudeste do Pará. 

Aproximadamente 1,5 mil pessoas estavam acampadas na Curva do S e o objetivo do protesto era marchar até a capital, Belém, para reivindicar a desapropriação da fazenda Macaxeira. No entanto, a mobilização que tinha iniciado no dia 10 de abril de 1996 foi finalizada com um ataque realizado pela Polícia Militar paraense.

As cruzes simbolizam as mortes do trabalhadores sem terra – Foto: Aline Rocha/Notícia Preta

Ao todo, a operação contou com 155 policiais militares que deixou 21 camponeses mortos, 19 no local do ataque, e outros dois chegaram a serem levados para o hospital, mas não resistiram. A chacina ficou mundialmente conhecida e as organizações internacionais de movimentos sociais declararam o dia 17 de abril como o Dia Internacional da Luta pela Terra.

Contextualização

Na época do ocorrido, vários trabalhadores haviam montado um acampamento na fazenda Macaxeira, desde o final de 1995 e eles reivindicavam a desapropriação da fazenda. Nessa região, concentrava-se uma intensa atuação do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) pela desapropriação de terras improdutivas. Contudo, essa mobilização gerou muita tensão entre camponeses e latifundiários.

Além disso, havia uma promessa por parte do governo do estado do Pará em negociar com o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e com as outras instituições federais que atuam na questão agrária. Por outro lado, sem obterem respostas dos órgãos governamentais, os camponeses acamparam na Curva do S, bloqueando a PA-150. 

A operação

As tensões aumentaram na tarde de 17 de abril de 1996, quando as negociações se transformaram em um enfrentamento direto. Os sem terras armados com “paus e pedras” contra as armas de fogo dos policiais militares do quartel de Parauapebas (PA) e do batalhão de Marabá (PA). O conflito foi registrado por cinegrafistas de equipes jornalísticas que estavam presentes no local, no momento em que se iniciou o massacre.

Conforme os números oficiais, sessenta e nove camponeses ficaram feridos ou mutilados, e dezenove morreram no local. Vale destacar que, no mesmo ano do massacre, o Incra considerou a fazenda macaxeira como improdutiva e destinada para fins da reforma agrária. Atualmente, o local é o assentamento da 17 de abril.

Condenação

A ação da polícia contou com cerca de 155 policiais, somente os comandantes da operação foram condenados e tiveram suas penas em liberdade. Mário Pantoja, que comandava a tropa de Marabá, e José Maria de Oliveira, que comandava a tropa de Parauapebas. Pantoja foi condenado a 280 anos de reclusão e Oliveira a 158 anos de reclusão. Os outros 153 policiais foram absolvidos.

Reforma Agrária

Romário Rodrigues, dirigente Estadual da Juventude do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e morador do Assentamento Lourival Santana no município de Eldorado dos Carajás, falou sobre a importância da reforma agrária em entrevista ao Notícia Preta.

“A reforma agrária é um processo muito importante, é uma das principais políticas públicas do nosso país. E se deu muito nesse processo de tentar fazer uma redistribuição das terras.  Mas infelizmente a reforma agrária no Brasil ainda não se deu de uma forma tal qual leva o conceito”, disse Romário. 

O mestrando em Dinâmicas Territoriais e Sociedade na Amazônia ressaltou que o Brasil é um país historicamente marcado pela concentração de terra. Para ele, há muitas terras na mão de poucas pessoas.

O movimento dos sem terra realiza manifestação na Curva do S – Foto: Aline Rocha/Notícia Preta

“O latifúndio desde o processo da colonização se impôs nessa questão da concentração de terra no nosso país. E no decorrer desses anos, houve várias leis, enfim, vários projetos pensando nessa perspectiva de legislação brasileira, ou seja, a legislação brasileira veio, aconteceram vários projetos que se encaminharam nesse sentido de redistribuição de terra.  Mas infelizmente a reforma agrária no Brasil não aconteceu de uma forma, digamos assim, completa”, informou o ativista.

Conforme Romário, a reforma proporciona ao povo brasileiro a oportunidade de viver, mesmo que de forma mínima. “Porque ter um pedaço de Terra para você morar, plantar, ter família é um sonho da grande maioria da população brasileira, mas infelizmente a gente sabe que isso não se concretiza”, completou. 

Rodrigues destaca que o MST atua no sentido de tentar fazer com que essa política pública, que está posta na Constituição do país, se efetive. Ele pontua que esse processo não é fácil e há muitos entraves. “A reforma é importante nessa perspectiva de dar para as pessoas a oportunidade de reproduzir realmente a vida e pensar a reforma agrária para além da redistribuição da terra, pois outras políticas públicas devem acompanhar o processo de reforma agrária”, ressaltou Rodrigues.

Ainda completou, trazendo um pouco mais para a perspectiva regional, o massacre que aconteceu em 1996 é de certa forma o resultado dessas lutas travadas por esses movimentos, aqui no caso pelo MST, na tentativa de que sejam realmente implantadas a reforma agrária, da forma como está na Constituição.

Em 1996, as pessoas estavam em marcha em rumo a Belém justamente reivindicando esses direitos, enquanto sujeitos, e que fosse feito um processo de distribuição de terra na região.

Revolta

O dirigente enfatizou que o sentimento de revolta ainda persiste. “Hoje se arrasta o sentimento de impunidade e revolta, os policiais não foram condenados, os comandantes cumprem pena em liberdade. Fica um sentimento de revolta, que persiste para a gente do movimento, para os familiares das pessoas que perderam ali suas vidas, pelos amigos e para os defensores dos direitos humanos no país”, pontuou.

Além disso, Romário mencionou que essa impunidade não é um caso isolado, mas que é algo que infelizmente  marca o nosso país e que o estado do Pará é marcado por conflitos agrários, onde muitos defensores e integrantes de movimentos sociais são brutalmente mortos e a maioria dos casos fica por isso mesmo.

Diversas atividades são realizadas para relembrar o massacre de 1996 – Foto: Aline Rocha/Notícia Preta

Ações do movimento na Curva do S

O mestrando também destacou as ações do movimento na curva do S durante os dias que antecederam o dia de 17 de abril, em que destacou a importância do acampamento pedagógico. “O acampamento pedagógico que acontece curva assim como outras atividades que acontecem no estado do Pará é uma forma da gente resgatar as memórias, de relembrar esse fato para que ele não caia no esquecimento, é também uma forma de denúncia. Para que não se perca ainda mais no tempo e nesse tempo da impunidade o que aconteceu na curva do s naquele ano 1996”, ressaltou.

Segundo Romário, as ações do movimento não se resumem apenas ao campo físico, em relação à ocupação. Eles desenvolvem ações nas redes sociais, ações formativas dentro do acabamento pedagógico da juventude.

“Cada uma das acusações são importantes na luta pela Terra, que de certa forma é uma perspectiva de reafirmar a identidade do movimento de dizer que a gente nunca tá parado, a gente está sempre em movimento lutando nas diferentes áreas“, analisa.

Defendemos uma Bandeira diversa em ações para além da questão da terra, mas também na perspectiva de sujeitos, da diversidade, gênero, agroecologia, alimentação saudável, o nosso campo é muito amplo”, finaliza.

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Aline Rocha

Aline Rocha

Aline Rocha é Graduada em Licenciatura em Linguagens e Códigos- Língua Portuguesa, pela Universidade Federal do Maranhão. Pós-Graduada em Linguagens, Suas Tecnologias e o Mundo do Trabalho pela Universidade Federal do Piauí. É integrante do grupo de pesquisas: GEPEFop LAPESB- Laboratório de pesquisa Pierre Bourdieu: Análise sobre a prática pedagógica.Atuou como bolsista no Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (PIBID), na qual ministrou aulas de Língua Portuguesa nas turmas do 6º ano e 9º ano, tanto na modalidade regular como na Educação de Jovens e Adultos (EJA). Entre 2018 a 2020. Atuou como bolsista Capes no Programa Residência Pedagógica, em que ministrou aulas de Língua Portuguesa nas turmas do 9º ano, 1º ano e 3º ano do Ensino Médio, entre 2020 a 2022. Atuou como monitora voluntária na disciplina de Linguística Textual, na turma 2018, do curso de Linguagens e Códigos-Língua portuguesa, na Universidade Federal do Maranhão. Atualmente é Professora da Educação Básica e pesquisadora Antirracista.

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