Livro que resgata negritude de Machado de Assis será lançado nesta terça (02)

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O jornalista, biógrafo e escritor C.S.Soares lança o primeiro volume de sua obra “Machado: O Filho do Inverno” na terça-feira, 02 de dezembro, na ABL-Academia Brasileira de Letras, às 18h30, com sessão de autógrafos. Antes o autor fará uma palestra online no Youtube da casa, gratuita e transmitida ao vivo, mostrando as principais descobertas de seus 15 anos de investigação sobre a vida e a obra de Machado de Assis, com foco na negritude do escritor, um aspecto historicamente apagado ou tratado como secundário pela crítica tradicional.

Este lançamento marca a estreia do catálogo da recém-criada Ação Editora, o novo braço cultural da Ação da Cidadania, celebrado os 90 anos de Herbert de Souza, o Betinho, e simboliza o compromisso da editora com a diversidade, a preservação da memória e o impacto cultural brasileiro.

Foto: Itau Cultural

O local é mais apropriado. Machado de Assis foi o fundador e primeiro presidente da ABL, sendo seu patrono. Sua relação com a ABL é fundamental, pois foi o principal idealizador da instituição e presidiu a entidade de 1897 a 1908, quando faleceu. E seu jardim do Petit Trianon carioca abriga uma escultura em bronze de Machado de Assis, de autoria de Humberto Cozzo (1900-1981).

Além disso, a academia, conhecida como “Casa de Machado de Assis”, guarda, entre outros objetos pessoais do escritor, o pincenê (óculos sem haste), a escrivaninha, o tabuleiro de xadrez e o famoso fogareiro onde, reza a tradição, ele incinerava os manuscritos de que não gostava.

Trata-se da primeira grande biografia voltada ao público geral que evidencia Machado de Assis como autor negro. Soma-se a isso a relevância de ser uma obra escrita por um biógrafo negro: C.S. Soares, cuja trajetória intelectual e pessoal está profundamente ligada à valorização de vozes historicamente silenciadas.

A pergunta que norteia o livro é: o que muda ao escrever, hoje, a primeira biografia que reconhece Machado de Assis em sua negritude? Como se transforma nossa leitura ao deixarmos de lado a ficção confortável do “escritor universal”, que paira acima das questões raciais, e o reconhecermos como um homem negro do século XIX, marcado pela pobreza e sobrevivente de um Brasil ainda escravocrata, em que o racismo permaneceu estrutural mesmo após a Abolição?

Toda biografia parte de um problema, e o de Machado está posto há mais de cem anos: por que sua negritude foi sistematicamente apagada das narrativas oficiais? Se sua ironia literária sempre escapou a leituras simplistas, não podemos ignorar que sua condição de homem negro, em um país onde a escravidão ainda definia o cotidiano, potencializou a complexidade de sua escrita.

Como ler “Dom Casmurro” sem considerar que Bentinho pertence a uma elite escravocrata e que seu ciúme é também reflexo de um sistema que vê Capitu, mulher mestiça, como alguém sempre sob suspeita? Ou como reler o defunto de “Memórias Póstumas de Brás Cubas” sem pensar nos inúmeros corpos negros que a história do Brasil silenciou?

Nas palavras do editor Pascoal Soto, “restituir Machado à sua cor, à sua história, é devolver ao Brasil o escritor por inteiro — denso, feroz, urgente. Não se trata apenas de mapear fatos, mas de desvendar enigmas e tensões, recuperando o Machado possível, necessário, para que enfim possamos enxergar o que esteve oculto diante dos nossos olhos”.

C.S. Soares, escritor, editor e pesquisador, faz de sua estreia como biógrafo um gesto de escavação histórica: são as ausências que falam, os silêncios que denunciam, as tensões que revelam. Soares dedicou mais de quinze anos de pesquisa em arquivos, jornais do século XIX e documentos raros para reconstruir a trajetória de Machado de Assis. Machado emerge, assim, como fissura: ponto de encontro e conflito das forças históricas de sua época, protagonista e testemunha dos traumas sociais que atravessam sua obra.

A trajetória de C.S. Soares é marcada pelo rigor crítico, experiência editorial e compromisso com a valorização de narrativas marginalizadas. Ele foi responsável pela edição de clássicos brasileiros para o Google e para a coleção “Clássicos Anotados”, além de ter sido colunista de O Globo e, atualmente, colaborar com o portal Brasil de Fato.

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A biografia será composta por dois volumes. O primeiro, com 640 páginas e capa e projeto gráfico de Victor Burton, percorre a infância de Machado até a publicação dos folhetins que culminaram em “Memórias Póstumas de Brás Cubas” (1880), revelando o processo de formação, os desafios e os primeiros grandes embates críticos do autor. O segundo volume, previsto para setembro de 2026, abordará o período de 1881 — considerado o início da “segunda fase” da obra de Machado de Assis — até sua morte, em 1908, explorando seu legado e influência.

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