Travestis e mulheres trans representam 97% dos casos de violências e assassinatos no Brasil, aponta pesquisa da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA). Os dados dialogam com os do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, cuja edição do Anuário Brasileiro de Segurança Pública foi divulgada em julho deste ano. A pesquisa aponta que, em 2024, foram registrados 117 casos de assassinatos contra pessoas trans, 78% delas são femininas, negras e em situação de vulnerabilidade.
A travesti negra, nordestina, feminista interseccional e diretora da ANTRA, Bruna Benevides, é responsável pela coleta e monitoramento de dados da instituição desde 2017. Segundo ela, os dados informam que quase todas as vítimas são assassinadas com requintes de crueldade. Benevides ressalta ainda que 47% dos casos de violência são contra corpos trans e travesti. É apresentada uma recorrência de golpes nas regiões centrais e íntimas, sendo elas: cabeça, rosto, seios e genitais.

Ainda, segundo ela, o requinte de crueldade revela o ódio sobre os corpos dessas mulheres, expresso através dessas violências e do fomento de uma sociedade que hierarquiza a ideia hegemônica do patriarcado. A diretora conta ainda que existe uma “permissão de execuções sumárias contra corpos trans e travestis”, a falta de legislações e projetos de lei que visem proteger esses corpos, dentre outras desigualdades enfrentadas, sendo estes elementos presentes em crimes de ódio contra esses corpos.
“A identificação desses assassinatos; não é uma falha do Estado; ou do capitalismo. Isto é o capitalismo, a estrutura racista e transfóbica, em pleno funcionamento, eliminando esses corpos. Efetivamente, colocando os nossos corpos como prioritários para essa violência transfóbica, mas também sexista, misógina, racista, e portanto, vai compreender esses requintes de crueldade que aparecem nesses casos também”, afirma ela perante os dados coletados, os problemas enfrentados no país, o patriarcado, e a precarização estrutural.
Os dados da ANTRA revelam que as 117 mulheres trans e travestis assassinadas em 2024 se tratavam também de crimes de ódio. Após findar a vida de suas vítimas, os agressores desejavam apagar suas memórias, identidades e qualquer outro vínculo na sociedade. Bruna nomeia este processo como ‘uma tentativa de erradicação da comunidade trans e travesti‘, proveniente de diretrizes de políticas econômicas, sociais, jurídicas, legislativas, omissão de dados, ou pela segurança pública.
“É um dado que denuncia de forma flagrante o estado de precarização, vulnerabilidade e falta de acesso às políticas públicas, sobretudo de proteção, de prevenção à violência em relação à comunidade trans e travesti, especificamente corpos racializados. Quando fazemos o cruzamento de gênero também, porque a maioria desses dados é contra esses corpos trans e travestis, também denuncia, obviamente, o estado de vulnerabilidade, porque em um país onde há muita desigualdade, há muita violência”, afirma ela.
Racismo, misoginia, ódio sistemático, e institucional
O Brasil possui políticas de proteção a mulheres, porém, ainda é evidente a segregação entre mulheres trans e travestis, uma vez que estas leis não as enxergam e compreendem enquanto mulheres. Uma necessidade que não se limita apenas às mulheres trans e travestis, mas perpassa também homens trans e pessoas não binárias, que necessitam ainda mais da criação de outras políticas específicas, como relata a Diretora da ANTRA, Bruna Benevides.
“A falta de igualdade racial, o fim da escala 6×1, distribuição de renda, melhores salários, por justiça climática, nós também precisamos incorporar um olhar que vai compreender a diversidade de gênero como parte dessas lutas. Caso contrário, a gente vai ter um país que tenha a melhor política de saúde do mundo, mas pessoas trans vão continuar sendo deixadas nas periferias da democracia do Brasil”, diz Bruna sobre a necessidade de acesso a direitos humanos básicos, historicamente negados aos corpos trans e travestis.
A diretora reforça ainda que “a maior reposta dada à transfobia é a organização política desses corpos”, como uma forma efetiva de tentar promover a construção de políticas públicas onde a comunidade trans e travesti possa ocupar, e moldar, estes espaços a partir de suas necessidades. A ocupação dos espaços de participação social, como no Conselho Nacional dos Direitos das Mulheres, Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST), dentre outras instituições, é uma forma de criar redes solidárias.

Sob a perspectiva de melhorias no cenário político e social atual, ela também ressalta a importância das pessoas aliadas à causa, que nem sempre terão suas identidades reconhecidas pela grande massa, mas que são igualmente importantes no alcance das melhorias para a comunidade LGBTQIAPN+, com foco voltado à comunidade trans e travesti à qual ela é pertencente.
“O Brasil está, cada vez mais, se consolidando como o país que esmaga a dissidência, mas é também o país com significativos avanços, apesar do cenário, nas conquistas de direitos da nossa comunidade, fruto das lutas incansáveis dos movimentos sociais para mudar essa realidade. Um país que se quer progressista e seguro para todas as pessoas; precisa olhar para o lado e reconhecer que determinados corpos têm sido deixados de lado. Dá para ter os direitos de pessoas imigrantes, com deficiências, com HIV, crianças, idosos, nas favelas, também incorporando que os corpos trans passam por esses marcadores”, finaliza Benevides.
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