Em 2024, o Brasil chegou ao número recorde de 3.853 violações de intolerância religiosa, segundo dados registrados pelo Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC). É nesse contexto que o Notícia Preta conversou com o professor de História Comparada da UFRJ, pós-doutor e babalawô Ivanir dos Santos, nesta terça-feira (21), Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa. O deputado federal, Pastor Henrique Vieira (Psol-RJ) também analisou o cenário e possíveis soluções para o problema.
“É inegável que os acordos eleitorais, as alianças eleitorais feitas desde os anos 2000 pra cá, ampliam a intolerância religiosa, empoderam esses grupos. O fato de ter empoderado algumas lideranças religiosas intolerantes foi a partir dos arranjos eleitorais feitos com relação às disputas majoritárias e eles cresceram com suas bancadas, com suas agendas próprias”, argumentou o intelectual.
Para Ivanir, essa bancada religiosa tem uma agenda moral que acaba cooptando todo um campo religioso, não só evangélico, mas também de setores católicos e trabalhadores, e faz crescer essas lideranças que são empresariais, que segundo ele, eram inclusive empresários do gospel.
“Não têm uma agenda social, mas uma agenda moral e econômica. Eles não têm uma agenda social, porque se tivesse agenda social, obviamente, dialogaria mais direto com essa massa de evangélicos, empobrecidos que existem nas comunidades, que sofrem a violência policial, que sofrem também disputas de território da criminalidade, das vítimas crianças e jovens, que são evangélicos”, afirma.
Para Henrique Vieira, os governos de esquerda precisam entender que o campo evangélico é diverso e plural. “Ninguém fala em nome do campo evangélico, é uma impossibilidade”, diz. Ele afirma que a base evangélica é majoritariamente popular, preta, periférica, composta por mulheres, trabalhadores e trabalhadoras.
“Ao invés dialogar com aqueles que se reivindicam os donos do campo, reconhecer a diversidade do campo, dialogar com a base popular e trabalhadora do campo evangélico e, a partir disso, chamar para um espaço de diálogo inter-religioso, valorização da democracia do estado laico e enfrentamento a toda e qualquer lógica de violência, preconceito e intolerância”, argumenta.
Segundo o babalawo, há problemas sociais que tem crescido na sociedade brasileira, independente de governo conservador ou progressista: o racismo, a misoginia, a homofobia e também tolerância religiosa. “Observa que mesmo nos estados mais progressistas, onde se tem governo progressista, cresce o número de jovens negros assassinados e cresce a tolerância religiosa. Por que será?”, questiona.
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Ivanir entende que os acordos eleitorais feitos têm sido um impedimento de combater a tolerância religiosa. “Sempre compõem o legislativo, e uma vez que o executivo tem que negociar, né? E ser apoiado pelo legislativo, aí tá o problema político”, critica.
Ele critica que há poucos religiosos, militantes, progressistas comprometidos com esse tema e que tem se colocado contra a intolerância religiosa. Ele ressalta que há falta de projeto político.
“Eu tenho observado que tem uma disputa eleitoral e não disputa de projeto. Houve um período no Brasil que você lutava contra a ditadura, então você lutava pela democracia, pelo Estado laico, pela diversidade, Direitos humanos, hoje parece que virou palavrão. Hoje você tem forças que são contrárias, muitos querem até dominar o Estado para fazer valer a sua pauta conservadora de perseguição”, alerta.
Ivanir pensa que para reduzir os casos de tolerância religiosa, é muito importante que o executivo e legislativo tomem para si a responsabilidade de criar políticas públicas e criar o um plano nacional de combate à intolerância religiosa, que tenha ações desde a área de segurança, da área legislativa, que haja as leis que possam de fato amadurecer o ato criminoso da intolerância religiosa e como também políticas públicas na área de educação.
Já o deputado federal entende que o Estado deve fortalecer e ampliar as delegacias especializadas nos crimes de intolerância religiosa. Ter uma rede específica de investigação sobre isso, é absolutamente importante. Além disso, no campo da educação, fortalecer no currículo escolar e garantir que o ensino seja valorizando a cultura afro-brasileira, afro-indígena.
“Isso também passa pela valorização da diversidade religiosa desde os bancos escolares, desde a educação infantil. Além disso, nos editais de cultura, fomentar projetos culturais que tenham como objetivo a valorização da diversidade religiosa em nosso país. Então seja através dos mecanismos de investigação, de coerção e de punição e principalmente. Por meio da cultura e da educação, o Estado tem muito a fazer para combater a intolerância religiosa e valorizar a diversidade em nosso país”, pensa Henrique.