A Universidade de Brasília (UnB) revela dados sobre a política de cotas que demonstram um crescimento considerável no número de estudantes negros e indígenas na instituição. Segundo o levantamento da UnB, entre os anos de 2003 e 2019, a presença de alunos negros e indígenas saltou de 4,3% para 48% do total de alunos da unidade.
Ao todo, em 2019, último ano do levantamento realizado pela UnB, eram 3.727 alunos pretos, 15.225 pardos e 203 indígenas. A mudança é reflexo da política de cotas implementadas em 2003, de forma pioneira, pela universidade. No vestibular de 2004, os primeiros beneficiários das políticas afirmativas somaram 388 estudantes, já em 2022, esse número chegou aos 10.094 alunos.
Professor do Departamento de Antropologia, Jorge de Carvalho, estava na UnB em 2003, e lembra de como as turmas eram homogêneas. “Já dei aula para turmas em que todos os alunos eram brancos. Isso não existe mais”, afirma em entrevista ao Uol. Rita Laura Segato, também professora do Departamento de Antropologia da Universidade, conta que, em 2003, a UnB foi palco de protestos contra a implantação de políticas de cotas, com atos de vandalismo e pichação. “As cotas [na UnB] colocaram em pauta a existência do racismo na sociedade e na academia”, lembra.
Rita ressalta ainda que, mesmo depois de aprovada pela maioria do Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão (Cepe), as cotas raciais ainda enfrentaram resistência dentro e fora da Instituição, argumentando que não havia racismo no Brasil. “Claro que há inimigos – e sempre haverá – porque não se trata de uma cota para 13% ou 15% da população, como foi nos Estados Unidos. Trata-se de cota para mais da metade da sociedade brasileira”, comenta.
10 anos da Lei de Cotas
Este ano, a Lei 12.711/2012, conhecida como Lei de Cotas, completa 10 anos e será revisada e discutida no Congresso Nacional por deputados e senadores. Vítima de críticas de vários setores, as políticas afirmativas iniciaram oficialmente no Brasil 124 anos após a assinatura da Lei Áurea e 24 anos depois da promulgação da chamada “Constituição cidadã”, de 1988.
Para a economista e doutoranda em Economia Aplicada pela Universidade de São Paulo, Priscila Soares dos Santos, a política de cotas é um importante instrumento para formalizar um direito conquistado pela população negra no Brasil. “A Lei de Cotas é um passo dado à redução das desigualdades que permeiam nossa sociedade. É uma forma de inclusão social dessas minorias na educação superior pública brasileira, o que abre portas para melhores colocações no mercado de trabalho e para a mobilidade social”, revela.
Um levantamento do Observatório do Legislativo Brasileiro (OLB), em parceria com o Grupo de Estudos Multidisciplinar da Ação Afirmativa (Gemaa), da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), mostrou que existem, atualmente, 30 propostas legislativas em tramitação na Câmara dos Deputados que podem impactar, de alguma forma, a política de cotas.
Desse total, 12 são favoráveis e que podem, inclusive, expandir a abrangência das ações afirmativas e 12 são contrárias, pedindo a extinção da política de cotas. Ainda de acordo com o estudo, 12 propostas foram feitas por partidos de esquerda e 15 pelos partidos de direita. “De qualquer maneira, a incerteza que paira sobre a questão da revisão da Lei e a instabilidade política e institucional que caracteriza o atual momento da política brasileira torna qualquer proposta bastante arriscada”, comenta o cientista político, professor da UERJ e um dos pesquisadores responsáveis pelo levantamento, João Feres Júnior.